quarta-feira, 4 de maio de 2022

Crítica: Compartimento No. 6 / Hytti nro 6 / Compartment No. 6 (2021)

*7.5/10*

Uma longa viagem de comboio pela Rússia gelada proporciona o encontro entre dois passageiros, que serve de mote para o filme de Juho Kuosmanen, Compartimento No. 6. Baseado no romance de Rosa Liksom (que acontece ao longo dos anos 80 na URSS), o argumento passa-se alguns anos após a dissolução da União Soviética.

"Moscovo 1996. Laura, uma estudante finlandesa, foge de um caso de amor. Apanha o comboio para Murmansk onde deseja ver as pinturas rupestres com 10 mil anos. Ao contrário da vida em Moscovo, quer estar rodeada por algo que perdure. É obrigada a partilhar o compartimento do comboio com Ljoha, um mineiro russo. A companhia de Ljoha e a realidade desolada das cidades russas começam a dissolver as ideias românticas que Laura tinha das suas viagens..."


A viagem solitária e melancólica que Laura idealizava transforma-se, logo que conhece o companheiro de compartimento. A fuga é o primeiro impulso para escapar a uma situação desconfortável, mas o regresso ao ponto de partida também não se afigura boa opção. A monotonia do percurso, pontuada por algumas paragens de descoberta, leva à inevitável aproximação dos colegas de viagem, cujo destino é comum, a cidade de Murmansk - para ele, local de trabalho, para ela, sítio de reencontro com o passado.

A câmara de filmar, o walkman e as cassetes, cuja fita se enrolava com a ponta de um lápis, ou a ausência de telemóveis - pontuada por telefones fixos ou cabines telefónicas - são o maior símbolo de nostalgia e silêncio, e demarcam bem a época dos acontecimentos. A opção de Juho Kuosmanen em filmar em 35 mm potencia toda esta relação espaciotemporal de Compartimento No. 6, entre noites geladas, o pouco conforto da carruagem onde Laura Ljoha viajam, os objectos de cada um e a simplicidade de gestos e palavras. A intimidade é conquistada com os planos claustrofóbicos dentro do pequeno compartimento, mas igualmente com alguns planos sequência que seguem Laura em casa de Irina, pelos corredores do comboio e pelas várias povoações russas onde vai parando.

E na melancolia da paisagem e dos sentimentos de Laura e Ljoha, há momentos de humor que aligeiram o tom de Compartimento No. 6 e, em conjunto, edificam as mudanças que ambos sentem em si e na perspectiva que têm do mundo. Juho Kuosmanen oferece um road movie de partilha e crescimento nos cenários gelados da Rússia.

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