segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Crítica: Aftersun (2022)

"And there's this feeling, once you leave where you're from, like, where you grew up, that you don't totally belong there again."
Calum


*7.5/10*

Aftersun, longa-metragem de estreia de Charlotte Wells, é o diário, melancólico e sensível, da relação entre pai e filha durante umas férias. O filme consegue vaguear entre a visão ingénua da criança e a profunda maturidade do que fica por dizer.

"Sophie, de 11 anos, passa as férias de Verão na Turquia com o pai, amoroso e idealista. Numa estância de férias decadente desfruta cada momento daquele raro período. Enquanto o mundo da adolescência se anuncia para Sophie, fora do seu olhar, Calum soçobra sob o peso da vida além da paternidade. Vinte anos depois, as ternas memórias destas últimas férias juntos transformam-se num poderoso e desolador retrato da sua relação, enquanto Sophie tenta reconciliar o pai que conheceu com o homem que lhe permanece um desconhecido."


Charlotte Wells cria uma obra analógica - a realizadora filma em 35mm - e nostálgica, exímia em trazer os saudosos anos 90 para o grande ecrã: as memórias que Sophie guarda das férias com o pai estão gravadas em cassetes de vídeo, a música, as roupas e os objectos, tudo remete para aquela década.

Aftersun foca-se na memória de umas férias, através da qual uma filha, agora adulta, tenta entender o pai, na época em que ela era criança. Aquilo que parece ser a última imagem que Sophie guarda do pai a dançar é como que o limbo onde passado e presente se encontram, e onde a Sophie adulta se cruza com o pai, da mesma idade, nesta eterna tentativa de conhecê-lo melhor.


E na complexidade da simples relação entre pai e filha, os protagonistas destacam-se no companheirismo e à vontade que demonstram em frente às câmaras. Frankie Corio, a jovem Sophie, divaga entre a inocência da idade e a vontade de partilhar as experiências da adolescência que se avizinha. Ao seu lado, Calum, o pai - numa grande interpretação de Paul Mescal -, aparenta tranquilidade e está feliz junto da filha, mas cada pequeno gesto ou comportamento denunciam que algo não está bem. Se, por um lado, pratica Tai Chi, por outro, coloca-se em perigo desnecessariamente. Junto da filha não demonstra fraquezas, mas sozinho parece lutar contra uma depressão. É em pequenos detalhes que a plateia consegue descobrir um pouco mais sobre este pai atormentado, aquilo que escapa à ingenuidade de Sophie e que, em adulta, tenta descortinar.

A maior particularidade de Aftersun é ser tão desafiante para Sophie como para a plateia, tão simples e subtil que não sai da memória.

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