quarta-feira, 10 de maio de 2023

IndieLisboa 2023: Índia (2022)

"É impossível fazer uma visita em condições. Só à noite, mas está fechado."

Tiago

*8/10*

Índia, a estreia de Telmo Churro nas longas-metragens, é uma visita guiada aos sentimentos e devaneios de pai, filho e neto - e de uma turista brasileira -, pelas ruas de uma Lisboa descaracterizada, mas especialmente inspirada. 

"Três gerações de homens portugueses — Tiago, Raúl e Manuel — que vivem entre sonhos, glórias perdidas e crises existenciais vêem as suas vidas interligadas com a de Karen, uma mulher brasileira que passeia por Lisboa, enquanto vai mandando cartas que contam as suas deambulações. Um filme em oposição a uma ideia de uma cidade gentrificada."

A saudade é um sentimento partilhado pelas quatro personagens, uns que a sentem como perda irremediável, outros que a suavizam através da escrita ou de sonhos surrealistas. Quatro gerações, cada uma atormentada por inquietações que advêm da idade ou das vivências: Tiago, um homem frustrado, à beira da separação, que encontra no pai a sua melhor companhia; Karen, uma mulher recentemente viúva, constantemente encantada pelo que a rodeia; Raúl, um antigo marinheiro viúvo, em quem as marcas que a ditadura deixou continuam bem visíveis, bem como a paixão pelos barcos; e Manuel, um jovem púbere que lida com uma paixão adolescente, a ausência da mãe, os devaneios do pai e sonha com viagens de nave espacial.

Tão cómico como trágico, balançando entre Woody Allen e Nanni Moretti, Índia conquista em cada preciosismo, fantasia, sonho ou alucinação. As escolhas pouco comuns de Tiago, o guia turístico - dos locais que se podem visitar de dia, onde não falta o Jardim da Estrela, já escolhido pelo realizador na curta Rei Inútil -, numa fuga ao turismo desenfreado, tem um significado para si mesmo e para o desalento da sua vida: de Almirante Reis a Antero de Quental, dois suicidas que lhe são queridos, até ao Museu da Marinha, onde o seu pai recupera memórias dos tempos de marinheiro - que lhe relembram o seu ódio por Salazar e pela viagem que foi obrigado a fazer para não se perder a Índia "portuguesa" - uma longa jornada de rendição e dor. A partir daí e da imaginação de cada um, há um herói (lendário ou mitológico) que surge por entre as plantas da Estufa Fria - um dos locais onde "é impossível fazer uma visita em condições. Só à noite, mas está fechado".


A poesia das palavras e personagens funde-se com o visual de Índia, filmado em película, captando cores intemporais numa Lisboa cada vez mais desvirtuada. No elenco, Pedro Inês, Denise Fraga, José Manuel Mendes e João Carvalho complementam-se no luto e na luta constante com os seus fantasmas, num harmonioso quarteto que reflecte sobre Passado, Presente e Futuro.

Telmo Churro tem uma estreia cheia de personalidade e ousadia, tão melancólica, comovente e divertida - uma junção agridoce que fica na memória.

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