terça-feira, 9 de maio de 2023

IndieLisboa 2023: Rosinha e Outros Bichos do Mato (2023)

*7.5/10*

Rosinha e Outros Bichos do Mato, de Marta Pessoa, estreou no IndieLisboa 2023 (onde venceu o Prémio Árvore da Vida) e é um poderoso e corajoso documentário sobre o racismo "à portuguesa".

"Um filme que perscruta a ideia de 'racismo suave' e como esta vem beber ao enaltecido colonialismo português. A Rosinha titular é uma nativa guineense que se torna no símbolo da primeira exposição colonial portuguesa apresentada pelo Estado Novo em 1934. Uma viagem ao passado para entender o presente."

O filme parte da frase "Portugal Não É um País Racista", algo que se tem ouvido mais frequentemente nos últimos anos e sobre a qual poucos se interrogam profundamente. Marta Pessoa e a produtora Rita Palma mergulharam em arquivos e reconstruiram a cronologia e a promoção da primeira exposição colonial portuguesa, que o Estado Novo desenvolveu para "doutrinar" os portugueses da Metrópole que não conheciam os territórios ultramarinos. Recriaram-se aldeias indígenas e foram levados para o Porto “exemplares” dos povos da Guiné, Cabo Verde, Timor, Moçambique, Macau, Índia e Angola, bem como animais selvagens - uma espécie de espectáculo de variedades de grandes dimensões, algures entre uma feira popular e um zoo.

Entre fotos da época, pequenos filmes sem som sobre a exposição colonial de 1934, e, principalmente, dezenas de artigos de jornal sobre o evento - grande parte deles do Jornal O Comércio do Porto Colonial -, foi possível construir várias leituras acerca de tudo o que se passou nos Jardins do Palácio de Cristal.

Marta Pessoa e a sua equipa fizeram um incrível trabalho de pesquisa em diversos arquivos da época. E seguiram todas as pequenas pistas para descobrir mais sobre Rosa, uma mulher que foi cara - e corpo - da propaganda do Estado Novo e o percurso que fez até ao Porto e de regresso à Guiné.


A partir das imagens de arquivo e da frase que dá o mote para Rosinha e Outros Bichos do Mato, estabelece-se um diálogo entre Marta e Rita, que questionam o que observam, intercalado pelos discursos de homens ligados à organização da exposição (lidos, em voz-off, pelo actor Paulo Pinto), o documentário recria ainda, através de actores - a actriz profissional Binete Undonque veste a pele de Rosinha, os restantes são alunos da Escola Profissional de Marvila -, algumas fotos da época e reinventa o modo como, naquela época, era visto o corpo da mulher negra. Todos os jovens actores, falam para a câmara sobre a sua experiência enquanto portugueses afrodescendentes e, apenas em poucos minutos, consegue contrariar-se a afirmação de partida do filme.

A sessão do IndieLisboa, de dia 4 de Maio, foi especialmente interessante pois o filme foi mostrado a duas turmas de adolescentes, num convite à discussão e reflexão sobre como o racismo tem sobrevivido ao longo dos anos, como herança colonial, muito ao jeito que o regime quis doutrinar à população naquela primeira exposição colonial de 1934.

Todo o ponto de vista defendido pelo Estado Novo e muito patente na exposição regia-se pela noção de que a "função histórica e essencial" para Portugal era "de possuir, civilizar e colonizar domínios ultramarinos”. Sempre com a ideia de superioridade dos brancos em relação aos negros e, mais ainda, em relação às mulheres.

Rosinha e Outros Bichos do Mato é capaz de desmascarar o racismo, como foi e como ainda é, e faz a plateia reflectir sobre como se chegou à situação actual, sem fechar os olhos aos factos, encarando o problema sem receios e com verdadeira vontade de mudar.

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