segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Crítica: A Zona de Interesse / The Zone of Interest (2023)

*8/10*

Em A Zona de Interesse, Jonathan Glazer coloca a plateia paredes meias com Auschwitz. Um filme que surge no momento em que mais é preciso recordar as gerações actuais da desumanidade e dos horrores do Holocausto. 

"A Zona de Interesse conta a história do comandante de Auschwitz, Rudolf Höss, e da sua mulher, Hedwig, que se esforçam para construir uma vida de sonho para a sua família numa vivenda ajardinada ao lado do campo. Baseado no romance homónimo de Martin Amis, o filme de Jonathan Glazer propõe um olhar implacável sobre a humanidade e a banalidade do mal, com um retrato arrojado da família Höss."

A câmara de Glazer começa por revelar pouco do que fica em redor da casa onde vive a família protagonista. Inicialmente, apenas sons e uniformes militares podem dar pistas da localização da casa. Aos poucos, os planos vão mudando e revelam o muro que separa o bonito jardim dos Höss do Campo de Concentração de Auschwitz. E o choque começa. A "normalidade" com que se mantém a vida numa casa junto ao muro de Auschwitz é tão fria como as emoções que cada membro da família transmite. A alegria das crianças da casa e visitantes e as suas brincadeiras são o paradoxo do que se ouve do outro lado.

O orgulho que Hedwig (grande e sóbria interpretação Sandra Hüller), a mulher do comandante, tem de viver naquela casa, que mostra com apreço à mãe, aquando da sua visita, destacando as plantas que florescem e a horta que desabrocha, mesmo em frente ao alto muro de Auschwitz, é desconfortável e, ao mesmo tempo, tão natural para a personagem, como o modo com que experimenta um casaco e um batom que não lhe pertencem.

O sangue e as atrocidades não entram na casa do Comandante, mas as roupas dos judeus e judias presos ou mortos já têm autorização de entrada. A par desta aparente rotina desumana, também as brincadeiras e hobbies dos filhos de Rudolf e Hedwig são arrepiantes.

Ouvem-se os gritos, vê-se e sente-se o fumo, o barulho persistente dos fornos crematórios. Tão perto e tão longe da vida desta família. Todos sabem o que está do outro lado, mas preferem ignorar. E gostam (ou fingem gostar) de ali viver.

Fora de casa, os oficiais trabalham como se de uma empresa se tratasse. Entre conversas impessoais e sem qualquer humanidade, fala-se de pessoas como se de mercadoria se tratasse ou de como proceder para obter o melhor rendimento de uma "máquina" de matar.

Os tons da imagem são tão frios como o coração dos nazis, os planos são, na sua generalidade, pouco aproximados das personagens - tudo é mostrado com a distância necessária. A acompanhar o ambiente de desconforto, está a persistente e perturbadora banda sonora de Mica Levi.

Jonathan Glazer recorda a memória da desumanidade em A Zona de Interesse. Um silencioso grito de alerta, contra o esquecimento dos crimes que ninguém quer que se repitam.

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