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terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Crítica: Anatomia de uma Queda / Anatomie d'une chute (2023)

- "I did not kill him."

Sandra Voyter

-"That's not the point."

Vincent Renzi

*7/10*

Uma morte inesperada em plenos Alpes serve de mote para a construção do enredo de Anatomia de uma Queda, de Justine Triet, um filme de tribunal onde as dúvidas imperam no julgamento, mas igualmente no centro da família protagonista.

"Sandra (Sandra Hüller), uma escritora alemã, o seu marido francês Samuel (Samuel Theis) e o filho Daniel (Milo Machado Graner), de onze anos, vivem um ano de forma isolada numa cidade remota dos Alpes franceses. Quando Samuel é encontrado morto na neve, caído do chalé, a polícia questiona se terá cometido suicídio ou se foi assassinado. Perante a tese de homicídio, Sandra torna-se a principal suspeita. Pouco a pouco, o julgamento irá revelar-se não apenas uma investigação das circunstâncias da morte de Samuel, mas uma inquietante viagem psicológica às profundezas da relação conflituosa do casal."

Uma morte sem testemunhas será sempre um caso de difícil julgamento e, em Anatomia de uma Queda, o que interessa às personagens, realizadora e plateia é chegar à verdade. Justine Triet é capaz de construir um filme de tribunal com uma tensão crescente, quase sem recorrer a flashbacks - apenas uma memória e uma gravação, apresentadas no julgamento, revelam como era a convivência e os sentimentos do casal. Ressentimentos de um casamento que não ia bem, com ciúmes de parte a parte, seja emocional como intelectualmente, complicam o lado de Sandra, a principal suspeita. Ela, uma escritora de sucesso, e o marido, um escritor frustrado, ambos magoados pelo acidente do filho Daniel, invisual e personagem central na acção.

Daniel - uma excelente interpretação do jovem Milo Machado Graner -, a principal testemunha do caso, tem uma importância muito simbólica em Anatomia de uma Queda. Ele não vê, mas tem os outros sentidos muito apurados, em especial, a audição, o olfacto e o tacto. As semelhanças entre ele e a figura da Justiça são evidentes. E, neste caso, tem sempre ao seu lado o fiel cão da família, Snoop, primeira personagem a aparecer em cena no filme, e também fundamental para apurar a verdade - neste caso, o animal é os olhos de Daniel, mas não pode falar. Os dois complementam-se.

Sandra Hüller é exímia na interpretação da protagonista, Sandra. As suas expressões e atitudes, em momento algum, deixam claro se é culpada ou inocente. Desde a dificuldade em expressar-se, por não falar francês fluentemente e ter de se defender em tribunal em duas línguas que não a sua língua materna - o alemão -, à pressão do lado da acusação, juntando-se ainda o forçado afastamento emocional do filho, em quem também paira alguma desconfiança sobre a mãe, Sandra não tem descanso e enfrenta tudo sozinha.

Com pormenores que ambientam algum suspense na acção, Anatomia de uma Queda é um drama de tribunal acima da média. Justine Triet filma com a imparcialidade da justiça e sabe cativar a plateia com a tensão em crescendo.

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Sugestão da Semana #599

Das estreias da passada Quinta-feira, a Sugestão da Semana destaca Anatomia de uma Queda, de Justine Triet.

ANATOMIA DE UMA QUEDA


Ficha Técnica:
Título Original: Anatomie d'une chute
Realizadora: Justine Triet
Elenco: Sandra Hüller, Milo Machado-Graner, Swann Arlaud, Saadia Bentaïeb, Jehnny Beth, Samuel Theis, Antoine Reinartz, Camille Rutherford
Género: Crime, Drama, Thriller
Classificação: M/12
Duração: 151 minutos

domingo, 21 de janeiro de 2024

Sugestão da Semana #597

Das estreias da passada Quinta-feira, a Sugestão da Semana faz destaque a dobrar: dois filmes para reflectir sobre o passado e o futuro, A Zona de Interesse, de Jonathan Glazer, e Rosinha e Outros Bichos do Mato, de Marta Pessoa.




Ficha Técnica:
Título Original: The Zone of Interest
Realizador: Jonathan Glazer
Elenco: Christian Friedel, Sandra Hüller, Medusa Knopf, Daniel Holzberg, Ralph Herforth, Maximilian Beck, Sascha Maaz
Género: Drama, História, Guerra
Classificação: M/12
Duração: 105 minutos






Ficha Técnica:
Título Original: Rosinha e Outros Bichos do Mato
Realizadora: Marta Pessoa
Elenco: Binete Undonque, Paulo Pinto, Marta Pessoa, Deolinda Mascarenhas, Márcia Afonso, Íris Ferreira, Martim Silva, Tiago Silva
Género: Documentário, História
Classificação: M/12
Duração: 101 minutos

segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Crítica: A Zona de Interesse / The Zone of Interest (2023)

*8/10*

Em A Zona de Interesse, Jonathan Glazer coloca a plateia paredes meias com Auschwitz. Um filme que surge no momento em que mais é preciso recordar as gerações actuais da desumanidade e dos horrores do Holocausto. 

"A Zona de Interesse conta a história do comandante de Auschwitz, Rudolf Höss, e da sua mulher, Hedwig, que se esforçam para construir uma vida de sonho para a sua família numa vivenda ajardinada ao lado do campo. Baseado no romance homónimo de Martin Amis, o filme de Jonathan Glazer propõe um olhar implacável sobre a humanidade e a banalidade do mal, com um retrato arrojado da família Höss."

A câmara de Glazer começa por revelar pouco do que fica em redor da casa onde vive a família protagonista. Inicialmente, apenas sons e uniformes militares podem dar pistas da localização da casa. Aos poucos, os planos vão mudando e revelam o muro que separa o bonito jardim dos Höss do Campo de Concentração de Auschwitz. E o choque começa. A "normalidade" com que se mantém a vida numa casa junto ao muro de Auschwitz é tão fria como as emoções que cada membro da família transmite. A alegria das crianças da casa e visitantes e as suas brincadeiras são o paradoxo do que se ouve do outro lado.

O orgulho que Hedwig (grande e sóbria interpretação Sandra Hüller), a mulher do comandante, tem de viver naquela casa, que mostra com apreço à mãe, aquando da sua visita, destacando as plantas que florescem e a horta que desabrocha, mesmo em frente ao alto muro de Auschwitz, é desconfortável e, ao mesmo tempo, tão natural para a personagem, como o modo com que experimenta um casaco e um batom que não lhe pertencem.

O sangue e as atrocidades não entram na casa do Comandante, mas as roupas dos judeus e judias presos ou mortos já têm autorização de entrada. A par desta aparente rotina desumana, também as brincadeiras e hobbies dos filhos de Rudolf e Hedwig são arrepiantes.

Ouvem-se os gritos, vê-se e sente-se o fumo, o barulho persistente dos fornos crematórios. Tão perto e tão longe da vida desta família. Todos sabem o que está do outro lado, mas preferem ignorar. E gostam (ou fingem gostar) de ali viver.

Fora de casa, os oficiais trabalham como se de uma empresa se tratasse. Entre conversas impessoais e sem qualquer humanidade, fala-se de pessoas como se de mercadoria se tratasse ou de como proceder para obter o melhor rendimento de uma "máquina" de matar.

Os tons da imagem são tão frios como o coração dos nazis, os planos são, na sua generalidade, pouco aproximados das personagens - tudo é mostrado com a distância necessária. A acompanhar o ambiente de desconforto, está a persistente e perturbadora banda sonora de Mica Levi.

Jonathan Glazer recorda a memória da desumanidade em A Zona de Interesse. Um silencioso grito de alerta, contra o esquecimento dos crimes que ninguém quer que se repitam.

domingo, 31 de janeiro de 2021

KINO 2021: Exílio / Exil (2020)

*5.5/10*

Exílio (Exil), de Visar Morina, é um thriller que joga com medos, preconceitos e inseguranças. 

"Um engenheiro farmacêutico nascido no Kosovo é constantemente obrigado a soletrar o seu nome e a enfrentar situações de discriminação no trabalho. Porém, apesar dos ratos mortos na caixa de correio, ninguém o leva a sério, e é acusado de paranoia."

A premissa inicial de Exílio é boa: Xhafer (Misel Maticevic) é o protagonista que passa os dias com a sensação de que alguém o persegue, tentando dificultar o seu trabalho, e o perturba em casa, onde vive com a sua família alemã. Para além da animosidade que sente por parte de alguns colegas, também a relação com a sogra não é a melhor.

Para Xhafer, todas as atitudes discriminatórias que sente na pele estão relacionadas com a sua origem. Contudo, e mesmo que as situações de que é alvo sejam macabras e o condicionem, ninguém com quem partilha as suas desconfianças parece concordar que Xhafer seja alvo de racismo.

Exílio deambula entre a humilhação, o bullying, a xenofobia, a autocomiseração ou paranóia, num trabalho vazio de emoções, mas atento aos pormenores. Visualmente cativante, o filme de Visar Morina conduz-nos mais pela estética, criadora de um forte ambiente de suspense, do que por uma narrativa que leve a uma conclusão.