quarta-feira, 6 de março de 2024

Crítica: Os Excluídos / The Holdovers (2023)

 "I don't think I've ever had a real family Christmas like this before. Thank you, Mary."

Angus


*7.5/10*

Com Os Excluídos (The Holdovers), Alexander Payne regressa à aura melancólica que também acompanhou Nebraska (2013), desta vez para se focar em três solitários que se vêem obrigados a passarem juntos a quadra natalícia. Uma comédia dramática de uma beleza triste, mas inesperadamente aconchegante. 

O filme "acompanha um professor rabugento de uma prestigiada escola americana, que é obrigado a ficar no campus durante as férias de Natal para cuidar dos poucos alunos que não têm para onde ir. Entretanto, ele cria uma improvável amizade com um desses alunos - um jovem problemático e inteligente - e com a cozinheira-chefe da escola, que acabou de perder um filho no Vietname".

As férias de Natal não são o momento mais aprazível para os que ficam resignados ao edifício e pátio do colégio interno, em Dezembro de 1970. Sejam os poucos alunos que restam, cujos pais têm outras prioridades à de se reunirem com os filhos, seja o professor destacado para tomar conta deles ou a cozinheira em profundo luto pela recente morte do filho. Ninguém ali está no espírito da época. Poucos dias passados, restam apenas Paul (Paul Giamatti), o professor, Mary (Da'Vine Joy Randolph), a cozinheira, e um único aluno, Angus (Dominic Sessa), cujos pais estão incontactáveis e não tem outra hipótese para além da resignação, junto dos seus dois companheiros de temporada.


É a partir deste momento que, Os Excluídos ganha a magia que o caracteriza, para lá das iniciais brigas e provocações juvenis. Os dias de convivência aproximam as três personagens e, por muito que seja aquilo que as distingue, a dor e o ressentimento são-lhes comuns e a compreensão chega em forma de identificação e partilha.

Há um amor reprimido nas três personagens principais que, na impossibilidade de ser partilhado com quem ou aquilo que desejariam, é expelido em forma de insolência, mau feitio, exigência e lágrimas (e muito álcool). A união dos três excluídos do título forma uma família de acolhimento temporário mútuo para cada um. Uma identificação pelas emoções, revoltas e desgostos que se unem na difícil época natalícia.

Aos poucos, revelam-se segredos, ultrapassam-se as barreiras do desgosto e cria-se uma genuína amizade e admiração. O foco recai principalmente na relação entre aluno e professor que, a certo momento, seguem pelo caminho do road movie: uma breve viagem a Boston muda convicções e serve de consequente mudança nas suas vidas.

Em Os Excluídos, não faltam referências à época dos acontecimentos. A opção de Payne e da sua equipa de transportar todo o ambiente de início dos anos 70 para o filme inicia-se logo no surgimento do logotipo da Universal e Miramax, reflectindo-se, no decorrer da acção, no excelente trabalho de direcção artística, guarda-roupa e fotografia. Abundam os tons neutros ou frios, e o realizador só peca por não ser filmado em película, o que adensaria, mais ainda, esta viagem no tempo cinematográfica, e escusando-se assim a necessidade de efeitos criados em pós-produção, que simulam as marcas do filme analógico. 

Para além do enredo que balanceia o humor e o drama, Os Excluídos é um filme que também muito deve aos actores. Paul Giamatti confere uma sobriedade cómica ao protagonista, entre a exigência enquanto professor que, no fundo, esconde sérias dificuldades de relacionamento com os outros. O uso do estrabismo da sua personagem introduz um comic relief, mesmo em momentos mais soturnos da acção. Da'Vine Joy Randolph tem uma interpretação contida, mas carismática, o rosto e o desgosto de uma mãe que perdeu o filho para a guerra, mas que continua a trabalhar num local em que convive com tantos outros jovens, todos os dias. Por fim, a grande surpresa da longa-metragem, o estreante Dominic Sessa, que conjuga em Angus um misto de sentimentos e sensações, da revolta constante, ao medo do futuro e à saudade.

Os Excluídos é o regresso de Alexander Payne aos filmes sóbrios, comoventes e nostálgicos, sempre com o equilíbrio de elementos cómicos, e personagens empáticas e cheias de humanidade.

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