segunda-feira, 29 de abril de 2024

Crítica: Primeira Obra (2023)

"Então e o que é que seria fazer hoje o Bom Povo Português?"
Michel


*7/10 *

No ano em que comemora 80 anos de idade e 50 de carreira - os mesmos que o 25 de Abril -, Rui Simões estreia-se na ficção com Primeira Obra, um título bem-humorado para um realizador que fez do documentário a imagem de marca da sua filmografia.

Primeira Obra é a fusão de vários géneros: há muito de autobiográfico - e não faltam excertos ou referências directas a alguns dos seus documentários -, mas igualmente de drama romântico. As temáticas que interessam a Rui Simões estão lá: a Revolução, as causas sociais e o amor. A opção de reavivar muito da sua obra documental para complementar este filme fará as delícias dos cinéfilos que têm acompanhado a carreira de tantas décadas do cineasta.


Primeira Obra "retrata a história de um jovem investigador luso-descendente, Michel que chega de câmara na mão para pesquisar a Revolução por cumprir. Traçando paralelismos com a contemporaneidade, mapeia as formas em que o filme Bom Povo Português reflecte o país inserido na Europa. Em conversa com Simão, histórico cineasta, Michel procura respostas para o seu filme. Ao conhecer Susy, activista do ambiente, percebe que o amor é o caminho. Como sempre, a vida e o cinema misturam-se."

Entre a revisitação da sua carreira - do pós-revolução às festividades na Cova da Moura, passando pela dança de Olga Roriz -, onde António Fonseca (numa interpretação que capta tanto e tão bem o cineasta "original") é o seu alter-ego, na pele do realizador Simão, Rui Simões reflecte sobre a sua existência e do seu cinema e convida a plateia à mesma reflexão. Em resposta a esse convite, surge a personagem de Michel (Zé Bernardino), o jovem realizador lusodescendente que admira e procura no cinema de Simão o ponto de partida para a sua obra de estreia e que, entretanto, entre pesquisas e  distrações, se enamora de uma jovem activista climática (Ulé Baldé).


Rui Simões não quer ser o centro do seu próprio filme, mas é no reconhecimento do seu percurso, através das memórias de Simão (e tão bom que é recordar, por exemplo, Bom Povo Português), que reside o maior encanto do filme, passando o romance de Michel Susy para segundo plano. 

Uma Primeira Obra sincera, cheia de humildade e partilha, onde o amor e a luta de classes, que têm marcado a sua filmografia, se unem para contar mais uma história, onde, inevitavelmente, a realidade se sobrepõe à ficção.

Sem comentários: