quinta-feira, 2 de maio de 2024

Crítica: Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo / Nu astepta prea mult de la sfârsitul lumii / Do Not Expect Too Much from the End of the World (2023)

*9/10*

Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo marca o regresso do mordaz e incisivo realizador romeno Radu Jude. Os problemas socio-económicos da Roménia são o centro da narrativa que, inevitavelmente, são igualmente identificáveis em tantos outros países. 

"Uma assistente de produção, sobrecarregada e mal paga, tem que conduzir pela cidade de Bucareste para filmar castings para um vídeo de segurança no local de trabalho, encomendado por uma empresa multinacional. Quando um dos entrevistados faz uma declaração que desencadeia um escândalo, ela é forçada a reinventar toda a história."

Sempre pertinente e actual, Radu Jude nunca descura o seu estilo provocador e atento, com a ironia a dar voz às desigualdades e injustiças. Desta vez, Angela Raducani (numa fabulosa interpretação de Ilinca Manolache) é a guia desta aventura pelas ruas de Bucareste, percorrendo muitos quilómetros, com poucas horas de sono, muito café e música. De casa em casa, a assistente de produção conhece e regista o testemunho de vários trabalhadores vítimas da insegurança laboral. 

Durante as horas vagas que não tem, Angela Raducani diverte-se - e tenta rentabilizar - nas suas redes sociais, criando uma personagem machista e ordinária, Bobita Ewing, que faz sucesso e lhe vale muitas visualizações e likes. Estas breves "pausas" da protagonista proporcionam os momentos mais caricatos e inesperados da longa-metragem, arrancando "risos culposos" à plateia - que no final do filme estará fã de Bobita.

E em todo este percurso, desde o casting, às reuniões com a empresa multinacional, até ao dia das filmagens (que culmina num delicioso tragicómico plano sequência), impera o cinismo das relações laborais e a necessidade que faz com que vítimas aceitem promover a segurança da sua empresa (que para eles não existiu) a troco de dinheiro, dando-se praticamente como culpados do mal que lhes aconteceu.


Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo faz, ao mesmo tempo, um paralelismo da realidade actual com  excertos do filme Angela merge mai departe (Angela Moves On), de 1982 (olhando para diferentes acontecimentos e para os mesmos locais, cerca de 40 anos depois), que acompanha a história de uma mulher taxista em Bucareste. As protagonistas dos dois filmes partilham o nome e o trabalho baseado na condução. Por sua vez, Radu Jude faz regressar para o seu filme os mesmos actores da obra de 1982, que voltam a vestir a pele das suas personagens, dando continuidade às suas histórias 40 anos depois.

Com sequências a preto e branco, filmadas em película de 16mm, e a cores (curiosamente, durante a maior parte do filme, a cores estão apenas os excertos de Angela merge mai departe, e as stories de Bobita Ewing), o filme de Radu Jude distingue-se ainda pela montagem assertiva e essencial para a unidade fílmica.

O atrevimento de Radu Jude tem-no consolidado como um dos grandes realizadores da actualidade. Não Esperes Demasiado do Fim do Mundo é mais uma prova do génio do cineasta, um estrondo de sarcasmo que explora as fraquezas da realidade através da ficção.

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