"PLEASE! STOP! SCREAMING!"
Igor
*6/10*
Sean Baker não descura o realismo social que coloca nos seus filmes. Normalmente, aborda histórias e personagens pouco felizes, que, paradoxalmente, vivem envoltas num ambiente de cores vivas (Tangerine, The Florida Project). Em Anora, a receita é semelhante, mas menos capaz de envolver público e personagens.
Anora (Mikey Madison) é uma stripper - e prostituta ocasional - em Brooklyn, que começa a viver uma história de Cinderela na vida real quando, no clube onde trabalha, conhece e casa impulsivamente com Ivan (Mark Eydelshteyn), filho de um oligarca russo. Quando a notícia chega à Rússia, o seu conto de fadas é ameaçado pelos pais do noivo, que partem para Nova Iorque para anular o casamento.
De conto de fadas, a amor proibido, o enredo de Anora não é nada do que parece na primeira metade do filme. Após a mudança radical de vida, a jovem acredita estar a viver um verdadeiro sonho, mas os primeiros dias de casados de puro ócio, entre sexo, jogos de vídeo, drogas e álcool, duram pouco. A vida de Anora sofre nova reviravolta com a chegada dos "capangas" que os pais de Ivan enviam à mansão da família.
A partir daí, o filme de Sean Baker muda de rumo. A máscara de Igor cai - um menino mimado e rico, que gosta de contrariar os pais - e Anora vê o sonho transformar-se em pesadelo - muito divertido para a plateia, nada para a protagonista. Apesar da tragédia eminente, esta segunda metade da longa-metragem traz momentos hilariantes que começam na invasão da mansão, seguindo-se uma fuga e uma busca incessante, que conduz às mais inusitadas aventuras para as personagens.
Visualmente, Anora joga com as cores (abundam tons vermelhos, muito associados a Anora, e azuis), luzes, sombras e brilho, em especial no clube de striptease. Este local de encontros e desencontros é como um escape, uma realidade alternativa, onde cada um pode ser o que quiser. Mas é no mundo real, onde as cores são ligeiramente mais frias, que a dura realidade chega para destruir todas as fantasias.
Mikey Madison entrega-se à personagem com disponibilidade e sem preconceitos. A jovem actriz destaca-se, num filme que exige grande exposição do seu corpo e em que passa pelas maiores mudanças emocionais - de uma mulher confiante e sensual, para um registo tão cómico como trágico e da revolta para à aceitação. Não passa despercebido o tímido Igor, (interpretado por Yura Borisov, que já havia chamado a atenção no filme Compartimento No 6) contratado para ajudar na anulação do casamento de Anora e Ivan, mas também ele um estranho na confusão que se gera em torno da família russa. O seu olhar transmite surpresa, curiosidade e empatia para com Anora. O lado cómico reside nas interpretações de Mark Eydelshteyn como o irresponsável Ivan, e dos capangas Toros (Karren Karagulian) e Garnik (Vache Tovmasyan).
Não fosse o erotismo que carrega em si, Anora poderia ser uma comédia dramática de Domingo à tarde. É um filme leve, com toques de realismo e, sem dúvida, dentro da linha do realizador, mas com muito menos conteúdo. Essencialmente, divertido.
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