"Sou uma tola, porque a vida das pessoas não é como nos sonhos"Aurora
Histórias de quem pensa mais em si do que nos outros e de amores e desamores, entre Moçambique e Portugal. Tabu traz tudo isto a preto e branco, filmado em 35 mm e no formato 1:1.37 (ecrã quadrado), é um filme que deve ser visto no cinema. Miguel Gomes quis assim voltar a surpreender tudo e todos depois de Aquele Querido Mês de Agosto, e Tabu já arrecadou o Prémio Alfred Bauer, para a inovação, e o Prémio Especial da Crítica, no último Festival de Berlim, e mais dois no Festival Internacional de Cinema de Las Palmas, o Prémio Lady Harimaguada de Prata e o Prémio do Público.
As histórias de Pilar, Santa, Aurora e Gianluca Ventura tudo contado de forma singular. Pilar vive os seus primeiros anos de reforma a tentar endireitar o mundo e a lidar com as culpas dos outros. Os seus dias dividem-se entre vigílias pela paz e grupos católicos de intervenção social, mas inquieta-se, sobretudo, com a solidão da sua vizinha Aurora, uma octogenária temperamental e excêntrica, que foge para o casino se tiver dinheiro, fala da filha que pouco se importa com ela, ressaca antidepressivos e desconfia que Santa, a sua empregada cabo-verdiana, dirige contra ela práticas de voodoo. De Santa pouco se sabe, é de poucas palavras, executa ordens e acha que cada um deve meter-se na sua própria vida. É a partir de um misterioso pedido de Aurora, que as outras duas se unem para o tentar cumprir. Quer encontrar-se com um homem, Gianluca Ventura, que até então ninguém sabia que existia. Pilar e Santa descobrem o seu paradeiro, mas informam-nas de que já não está bom da cabeça. Ventura tem um pacto secreto com Aurora e uma história por contar. Uma história passada há cinquenta anos, pouco antes do início da Guerra Colonial portuguesa.
A história de Tabu divide-se em duas partes. A primeira, Paraíso Perdido, passa-se em Lisboa e dá-nos a conhecer a altruísta Pilar, Santa e uma Aurora idosa. O quotidiano das três é-nos apresentado e é aqui que começamos a estabelecer empatia com as personagens, sem nada saber ainda do seu passado. Esse é-nos contado na segunda parte - Paraíso -,onde ficamos a conhecer a juventude de Aurora e de Gianluca e todos os segredos tão bem guardados na parte inicial de Tabu.
As personagens possuem características muito próprias que as tornam únicas no seu universo. Pilar, para além de todos os gestos altruístas que ocupam os seus dias, parece trazer para o filme uma paixão pelo cinema, que frequenta com regularidade. Muito religiosa, preocupa-se com todos, descurando-se a si mesma. Aurora, em idosa, apresenta-se debilitada, com alguns rasgos de excentricidade, por vezes pouco lúcida, mas, apesar de tudo, mantendo uma personalidade forte que já vem da sua juventude, aventureira e corajosa. Gianluca, um playboy enquanto jovem, é, em idoso, o narrador nostálgico de toda a segunda parte de Tabu. E para personagens tão boas, actores à altura. Teresa Madruga entrega-se a Pilar, uma das personagens com quem mais iremos simpatizar e que é fundamental para conhecer toda a história. Aurora em idosa é interpretada pela veterana Laura Soveral, que lhe confere algo de especial e mágico. 50 anos antes, Ana Moreira dá-lhe toda a jovialidade e firmeza características, uma mulher decidida e sem medo de nada. Gianluca Ventura tem também dois interpretes de peso: em idoso Henrique Espírito Santo é quem lhe veste a pele, em jovem é Carlotto Cota quem encarna o aventureiro.
A nostalgia de um amor proibido paira em Tabu, que prima pela beleza visual e originalidade que traz ao cinema. Recupera métodos que parecem estar a ser esquecidos e mostra como, nos dias de hoje, filmes assim também funcionam e muito bem.
*8.5*
3 comentários:
O meu anseio por ver este TABU era grande... mas depois de ler a tua excelente crítica, esse anseio aumentou. E muito!
Retenho, do teu texto, o sublinhar da «beleza visual e originalidade que traz ao cinema», assim como o foco que fazes aos «métodos que parecem estar a ser esquecidos e mostra como, nos dias de hoje, filmes assim também funcionam e muito bem».
Por estas palavras, parece mesmo um filme "à minha maneira" :)
Cumps cinéfilos. :*
Muito obrigada, Sam.
Parece-me que, sim, vais gostar bastante do filme. :)
Cumprimentos cinéfilos :*
Crítica à altura do filme.
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