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sábado, 14 de março de 2020

Crítica: Mosquito (2020)

"Eu trago a Guerra no pensamento e a Pátria no coração"
Zacarias


*9/10*

Mosquito é o épico de guerra português, que deambula pela História, memória e alucinação, num confronto com o pecado colonial e a vergonha infindável de se falar sobre ele.

A assombrosa jornada de um soldado adolescente, em busca de sonhos ingénuos e da "honra" de defender a pátria contra os alemães, Mosquito é um filme duro e sombrio, entre o calor de Moçambique e os horrores da guerra.

Em 1917, Zacarias (João Nunes Monteiro) é um jovem português de 17 anos, sedento por viver grandes aventuras heróicas durante a Primeira Guerra Mundial. Enviado para Moçambique, onde o conflito se desenrola longe dos olhares do mundo, o soldado vê-se deixado para trás pelo seu pelotão e parte numa longa odisseia mato adentro, à procura da guerra e dos seus sonhos de glória.


Eis um retrato da brutalidade colonial, da desumanização e do desencantamento. João Nuno Pinto pega no exemplo do seu avô, soldado em Moçambique durante a Primeira Guerra, e cria a história de Zacarias, um rapaz cheio de ilusões.

Zacarias cresce ao longo das semanas em plena selva africana. Chega ao fim sem ilusões, sem esperança e muito mais velho. A inocência inicial desapareceu por completo, bem como expectativas e sonhos. Os seus olhos espelham desilusão, raiva e vingança. João Nunes Monteiro revela-se a cada momento do filme, transpira uma fragilidade infantil, que se transforma, aos poucos, na ferocidade de um animal selvagem. Uma revelação que não vamos perder de vista.


A realidade é difícil de engolir mas, nesta ficção, não deveremos estar muito longe da verdade. A subjugação de outra raça, os delírios da Malária, os pensamentos confusos - a montagem de Mosquito faz-nos sentir isso mesmo, na desordenada sequência de memórias de Zacarias -, personagens mais desnorteadas que a bússola do jovem soldado, mas também o conhecimento de realidades bem longe da imaginação - como uma tribo comandada por mulheres -, e até a confraternização com o inimigo, ou não estarão todos ali ao mesmo?

Todas estas sensações, acompanhadas por uma banda sonora arrepiante, adensam a aura angustiante e ameaçadora que rodeia o protagonista. A câmara, por sua vez, faz-nos sentir a desorientação e a fantasmagoria que a solidão, o calor, a doença e a privação de água e comida provocam em Zacarias.


João Nuno Pinto coloca-nos no centro de um dos momentos menos retratados no cinema nacional - a Primeira Guerra Mundial -, num lugar desconfortável, confrontando-nos com a vergonha das atitudes dos portugueses em África, o horror do colonialismo. Uma atordoante epopeia de descobertas onde não há heróis.

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