sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Crítica: Bestas do Sul Selvagem/ Beasts of the Southern Wild (2012)

"Everybody loses the thing that made them. It's even how it's supposed to be in nature. The brave men stay and watch it happen, they don't run."
Hushpuppy

*8/10*
Uma grande surpresa, Bestas do Sul Selvagem é todo ele harmonia entre uma realidade dura e a fantasia que paira na mente de uma criança muito pouco comum. Na sua primeira longa-metragem, Benh Zeitlin alcançou quatro nomeações ao Oscar, todas elas em categorias relevantes: Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Actriz e Melhor Argumento Adaptado. 

Bestas do Sul Selvagem apresenta-nos  uma comunidade esquecida - a Banheira - de uma zona pantanosa separada do mundo civilizado por um extenso dique, onde a pequena Hushpuppy, de seis anos, vive entregue à sua sorte, com o seu pai, Wink, um homem descontrolado e doente. Quando uma tempestade faz subir as águas em torno da aldeia e ferozes criaturas pré-históricas acordam dos seus túmulos gelados para investir através do planeta, Hushpuppy vê entrar em colapso a ordem natural de tudo o que lhe é querido.

Um argumento com tanto de doce como de selvagem, oferece-nos a história de Hushpuppy repleta de reflexões, com um guião cheio de frases marcantes, e em que a protagonista, que assume também o papel de narradora, é o fio condutor de toda a narrativa, onde a crítica social está bem presente. Envolvente, Bestas do Sul Selvagem  leva-nos até à Banheira, esta uma pequena comunidade esquecida, apesar de se situar junto ao mundo civilizado. Quando, depois da tempestade, tentam incutir alguma sociabilidade àquelas pessoas, elas resistem e mostram querer lutar por aquilo que é seu e de que os querem privar. Apesar das precárias condições, Hushpuppy e os seus mostram preferir a sua terra a tudo o resto, com verdadeiro respeito pela Natureza que assume um papel principal ao longo de toda a longa-metragem.


Hushpuppy é o melhor exemplo dessa luta, desse respeito pela sua "casa", pela sua gente, e é ela que faz o filme. Corajosa e aventureira, a pequena protagonista aparenta não ter medo de nada, mesmo nos momentos em que parece fraquejar. Desafiadora, ela recebe uma educação pouco convencional, e provavelmente incómoda para o espectador, que parece querer prepará-la para tudo, à semelhança de um animal selvagem. Todavia, em nenhum momento ela perde a forte imaginação que só a mente de uma criança oferece.

Ao mesmo tempo, nunca a expressão "Mãe Natureza" foi tão certeira. Hushpuppy trata-a como se da sua progenitora ausente se tratasse, e quase que conseguimos acreditar nisso. A relação entre ambas é de tal forma especial, que nem a Tempestade a é capaz de abalar, apenas a torna ainda mais forte. Ao mesmo tempo, a mãe da criança é-nos apresentada como uma mulher fora do comum, num estatuto próximo ao de uma divindade, como uma força da Natureza. Hushpuppy recorda-a, a certo momento, assim: "Back when Daddy used to talk about Mamma, he'd say she was so pretty she never even had to turn on the stove.". O filme é feito de subtilezas como esta, do início ao fim. Conseguiremos fazer uma série de associações, de reflexões, ao longo da longa-metragem.

Para uma protagonista tão exigente, ninguém melhor do que a pequena estreante Quvenzhané Wallis para lhe vestir a pele, numa interpretação que a tornou a mais jovem nomeada de sempre ao Oscar de Melhor Actriz. Wallis é brilhante, em todas as expressões, em todas as deixas. A acompanhá-la, Dwight Henry encarna o seu pai, Wink, de forma enérgica e muito competente, sendo uma pena terem-no deixado de fora das nomeações aos prémios da Academia.


Tecnicamente, Bestas do Sul Selvagem é extremamente interessante e sensorial. Filmado em película de 16mm, o filme deixa-nos ver o seu grão na imagem. Ao mesmo tempo, a Natureza é-nos mostrada com detalhe, apelando aos nossos sentidos. A câmara nunca é estática, mas o que poderia ser incómodo, pelo contrário, só nos coloca ainda mais na acção, quase como se também fôssemos habitantes da Banheira. A banda sonora, composta por Dan Romer e pelo próprio realizador Benh Zeitlin, é encantadora, reforçando toda a harmonia que a longa-metragem nos transmite.

Um drama fascinante a cada fotograma, é assim Bestas do Sul Selvagem, para ver, sentir e reflectir. Hushpuppy faz-nos viajar entre a fantasia e a realidade, conhecendo e confrontando as mais temíveis criaturas, sejam elas fruto da nossa imaginação, os nossos medos ou a própria Natureza.

3 comentários:

António Tavares de Figueiredo disse...

«A câmara nunca é estática, mas o que poderia ser incómodo, pelo contrário, só nos coloca ainda mais na acção, quase como se também fôssemos habitantes da Banheira. A banda sonora, composta por Dan Romer e pelo próprio realizador Benh Zeitlin, é encantadora, reforçando toda a harmonia que a longa-metragem nos transmite.» - bem verdade, aliás, a conjugação som-imagem foi do que mais gostei no filme. Nesse aspecto - e em tantos outros - o prólogo é particularmente brilhante.

Cumprimentos cinéfilos :)

Rafael Barbosa disse...

É de facto um grande filme e uma bela surpresa nesta edição dos prémios. As quatro nomeações são mais do que merecidas. Uma realização mais do que competente, uma protagonista acima da média, uma banda-sonora fantástica e uma direcção de fotografia muito boa. E o argumento vai muito mais além do que pode aparentar à "superfície".

Cumprimentos,
Rafael Santos
Memento mori

Inês Moreira Santos disse...

António e Rafael, obrigada aos dois pelos comentários.
Bestas do Sul Selvagem é verdadeiramente deslumbrante a todos os níveis. Som, imagem, personagens e argumento, tudo se conjuga na perfeição.

Cumprimentos cinéfilos.