sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Crítica: A Vida de Pi / Life of Pi (2012)

"Above all: don't lose hope."
Pi Patel 
*6/10*

Espiritual, delicado e artificial são três palavras que se ajustam bem ao mais recente filme de Ang Lee, A Vida de Pi, que conta com 11 nomeações aos Oscars 2013. A adaptação do livro homónimo de Yann Martel traz consigo fortes mensagens de esperança e pretende emocionar os mais sensíveis.

A história roda em torno de Pi Patel, filho do administrador do jardim zoológico de Pondicherry, na Índia. O jovem possui um enorme conhecimento sobre animais e uma visão da vida muito peculiar. Aos 16 anos, Pi junta-se à família que decide emigrar para a América do Norte num navio cargueiro, juntamente com os habitantes do zoo. Porém, o navio afunda-se logo nos primeiros dias de viagem e Pi vê-se na imensidão do Pacifico a bordo de um salva-vidas acompanhado pelos mais inesperados companheiros de viagem: uma hiena, um orangotango, uma zebra ferida e um tigre de Bengala, baptizado de Richard Parker. Em breve restarão apenas Pi e o tigre, e a única esperança para sobreviver é descobrirem que precisam um do outro.

A luta pela sobrevivência está no centro da longa-metragem que joga com as nossas crenças. Mas seria mesmo possível um rapaz e um tigre conviverem tanto tempo juntos? Toda a história parece querer conduzir a plateia para o mesmo, não deixando espaço a outros sentimentos ou possibilidades. A persistência de Pi, a obediência que, a certa altura, Richard Parker demonstra, o medo que ambos sentem um do outro, tudo nos oferece a tão anunciada mensagem de esperança, contra todas as adversidades. Logo aqui, o argumento peca. Mas aos pontos fracos narrativos junta-se-lhe a artificialidade técnica que torna A Vida de Pi ainda mais fantasioso. Se já estava comprometido, o ambiente espiritual que se pretende perde-se quase totalmente.


Tecnicamente sente-se que tudo está demasiado competente, demasiado limpo, demasiado artificial. Os efeitos especiais são interessantes – apesar de não nos fazerem esquecer que estamos perante um tigre digital–, a realização, montagem, som e fotografia merecem destaque (tendo todos nomeação na sua categoria), mas verdadeiramente eficaz é a banda sonora, de Mychael Danna. Apesar de também transparecer esse “asseio” tão dispensável, é na música que está toda a aura do filme, a sua espiritualidade. Contudo, é ainda de destacar que esta componente de artifício nos proporciona momentos de uma beleza visual pouco comum.

Claro que nem tudo poderia ser negativo num filme com tantas (demasiadas) nomeações aos prémios da Academia. A narrativa tem momentos com algum humor bem conseguido, as mensagens que pretende transmitir são inocentes mas reconfortantes, e, perto do fim, encontramos algum realismo, o lado mais selvagem que esperávamos descobrir mais cedo, e isso revela-se uma agradável surpresa.

A Vida de Pi está muito longe de ser um filme inesquecível e é um dos mais sobrevalorizados de 2012. Vale pelo espectáculo visual (e artificial) que traz consigo, e pela espiritualidade que irá, certamente, comover muitos públicos.

5 comentários:

OdeteGF disse...

Também concordo. Fui ver o filme e apesar das imagens ficarem bem numa tela de cinema, acho que a banda sonora é a chave de ouro do filme.

Rafael Barbosa disse...

Fiquei deslumbrado com este filme e isso foi contra todas as minhas expectativas, visto que estas eram nulas. Estava com receio de ficar pé atrás com o filme por este roçar tanto na religião, mas acabei por me embrenhar realmente no argumento. Em adição a isso, todo aquele espectáculo visual que me tirou o fôlego. Óptima direcção de fotografia. E tal como referes, uma banda-sonora muito boa. E gostei do final um tanto ou quanto "ambíguo", que acaba por testar a nossa própria maneira de pensar.
Mas percebo o teu ponto de vista. Creio que toda aquela artificialidade pode afastar um grande número de espectadores. No meu caso funcionou de forma excelente.

Cumprimentos,
Rafael Santos
Memento mori

Inês Moreira Santos disse...

Antes de mais, obrigada pelos comentários. :)

Rafael, compreendo. E é sempre bom que haja esta multiplicidade de opiniões. Eu ia com algumas expectativas para o filme, também pode ter ajudado a não gostar tanto.

Cumprimentos cinéfilos.

Anónimo disse...

Olá Inês, fui para o filme sem esperar coisa nenhuma, nem realismo, nem fantasia. Tinha apenas algum medo de lições forçadas de espiritualismo. Afinal saí do filme com uma lição "todos precisamos de embelezar as nossas histórias, é nessa poesia e fantasia que vem de dentro de nós que encontramos razão para viver e os sentidos que nos guiam". Por essa razão lembrei-me de filmes com "The Fisher King" ou "The Big Fish", em que os protagonistas usavam a sua própria fantasia para se expressarem e darem um sentido às suas vidas.

Pareceu-me uma história bem contada, em que a sucessão de episódios do drama da viagem são apenas um preparar para o final. Conseguem ser sempre imaginativos, e surpreendentes, o que acho um grande mérito.

Em suma, gostei. Deve ser porque sou daquelas pessoas que gosta de acreditar na tal magia e poesia que às vezes vem de dentro de nós. :)

Faz sentido?

Inês Moreira Santos disse...

Percebo o teu ponto de vista. Aliás, há muitos fãs do filme. Simplesmente não me tocou da mesma maneira. :)

Cumprimentos cinéfilos.