Por Tiago Brito
Creio que terei uns problemas a resolver nesta crónica: não sei qual o filme da minha curta vida. Não sei qual levaria para a famosa ilha deserta e muito menos sei se daqui a uns anos continuarei a gostar dos filmes da minha vida.
Mas alguma coisa sei. Sei que são muitos os filmes que me marcaram e uns quantos que mudaram a minha vida, para o bem e para o mal. Categorizo-os por alturas especificas da minha vida nas quais tiveram uma importância crassa na minha forma de pensar o mundo ou até de vivê-lo.
Talvez terei encontrado um caminho por onde seguir no paragrafo anterior. Posso escolher um filme que num passado próximo me tenha deixado abismado. Sim, abismado. Esse filme é Amour do Michael Haneke. Desta forma direi o que penso neste exacto momento e serei fiel ao meu eu, nesta altura da vida.
Não gosto de ver trailers e muito menos os que mostram o filme quase todo. Tira-me a vontade de ver os filmes e por isso falha o seu propósito. O que me incentiva a ir ver um filme é o cartaz que me chama a atenção, a imagem que fica, o titulo que não me sai da cabeça ou o comentário depreciativo de alguém que não tem o mesmo gosto que eu. Com os grandes realizadores não precisamos de incentivo. É apenas esperar que estreie o próximo filme.
Em Amour caí de paraquedas. Não quis saber de nada, muito menos ler as críticas. Tentei, como uma toupeira, cavar um túnel até à sala de cinema (afinal não terei caído de paraquedas mas cavado um túnel). E ali cheguei eu, a meio de uma estória, não a meio do filme. Sim, esse poder de sonho que o cinema tem de nos intrometer a meio da acção sem darmos conta, até acordarmos no fim e começarmos a reflectir sobre o que acabámos de viver. Tal como um sonho.
Entrei devagar e delicadamente na vida daquele casal. Não sabia quem eram, nem de onde vinham mas no meio de tantas possibilidades de personagens, Haneke escolheu as mais indicadas para falar sobre o amor. Haneke resolve quaisquer dúvidas, no início do filme, sobre o que irá acontecer no final e mostra-nos que o importante não é reviravoltas inesperadas mas o que acontece passo a passo, tal como no amor. Não é o viveram felizes para sempre mas o que acontece a cada dia que passa e por isso o filme é continuo, focado num espaço de relativamente um ano e não uma vida inteira.
O seu sentido de Tempo é inquebrável e justo. A distância a que estamos dos personagens, exacta, sem invadir privacidades de alguém que ainda há pouco conhecemos. Não se poupa a pormenores e a subtilezas de uma família contemporânea. Retira desde o início o factor social de - coitadinhos dos velhinhos que não têm dinheiro para poder viver um final de vida em condições. Este casal tem dinheiro e por isso centra o filme não num drama social mas num drama, única e exclusivamente. Dá espaço a que só se fale de amor. Poucos realizadores poderiam chamar Amor a um filme seu, seria demasiado arriscado falhar a premissa a que o titulo remete mas Haneke é um dos que pode.
Não pretendo fazer um apanhado do filme nem é esse o desígnio da crónica. Talvez o comentário, que ouvi ao sair da sala de cinema, o resuma bem: “Paguei eu dinheiro para ver uma velha morrer aos poucos e poucos...”. Faltou só o pequeno grande reparo, que o seu marido a acompanha na degradação, alimenta-a, trata-a com as suas próprias mãos em vez de a lançar num lar aos cuidados de quem calhar, aceita as opções da sua mulher, enfrenta a vergonha alheia de uma pessoa que vai perdendo as capacidades e autonomia aos poucos, não vive preso a recordações, embora as estime. Enfrenta a sua filha mimada e que nem uma vez se oiça um queixume seu. Não é fictício e por isso humano, tem momentos negros e acções imponderadas.
É um filme verdadeiro na falsidade e uma estória de amor com um final trágico. O final é um ponto crucial no filme e no qual a acção em que personagem principal incorre é algo que eu não concordo como opção de morte. Sendo uma obra de arte, dá espaço a interpretação e não impõe um ponto de vista que não dê para ser interpretado pelo espectador, a meu ver. Teria muito mais para dissertar sobre o filme, e principalmente o fim, mas não cabe nesta crónica que, por descuido, já a alonguei mais do que devia.
Este filme foi visto numa altura em que esta estória, numa dimensão familiar e não conjugal, fazia e ainda faz parte da minha vida. A opção de cuidar dos nossos, até ao fim das suas vidas, é Amor com A grande. Ainda mais quando alguém é responsável pela nossa existência ou quando, no caso do filme, foi cúmplice na nossa felicidade e abrigo na infelicidade. Não nos é obrigado que façamos, não é sequer o mínimo que podemos fazer e também sabemos que não receberemos nada em troca. Não é com um interesse num fim. Esse A grande é posto à prova no final da vida e é onde é mais preciso mas também, mais fácil de quebrar.
Afinal falo de um filme que não sei se é o da minha vida mas que tem parte dela. Parece-me um problema resolvido.
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Tiago Brito, no mundo da música, é o Capitão Tiago, guitarrista da banda Os Capitães da Areia. Ao mesmo tempo, desistiu do curso de engenharia para estudar realização, cujo curso completou em 2013. Tem actualmente a sua curta-metragem, Rio Turvo, a concurso em festivais de cinema e está a criar uma produtora. A actividade musical, claro, continua.
Agradeço ao Tiago ter aceite o meu desafio.
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