No rescaldo do IndieLisboa'14, guardei ainda algumas publicações do Hoje Vi(vi) um Filme para analisar as competições de curtas-metragens, falando um pouco dos filmes que tive oportunidade de ver. Começamos pela secção Novíssimos. Dos 12 filmes em competição (onde se incluía a longa-metragem O Primeiro Verão, a que não tive oportunidade de assistir) vi sete e falarei sobre eles de seguida.
Gata Má - 8/10
Em Gata Má, de Sara Augusto, Eva Mendes e Joana de Rosa, temos como protagonista uma menina cujos melhores amigos são gatos. A mãe diz que ela é especial. Já os gatos, isso só a criança sabe, mas às vezes são maus. As três realizadoras trouxeram-nos uma animação eficaz, curta, mas arrepiante.
A animação, predominantemente em tons de preto e vermelho, caracteriza-se pelo seu traço sóbrio, e pelo ambiente que deixa a plateia pouco à vontade. A narração, de voz frágil, destaca-se pelo tom inocente e, paradoxalmente, aterrador. Um excelente e original trabalho das realizadoras.
Alda - 8/10
Alda fala da transformação do mundo rural e das consequências para quem sempre ali viveu e já só se identifica com o interior da própria casa. Filipe Fonseca, Ana Cardoso, Liliana Sobreiro e Luís Cataló oferecem-nos uma animação simples mas agradável, com um traço delicado que mostra a beleza do campo.
Alda é um triste e belo retrato de resistência à mudança, de amor ao que mais preservamos como nosso. Sem falas, a música ambiente embala-nos numa história pouco feliz, mas cheia de sentimento e significado.
Meio Corte - 7/10
A partir do plano de um comboio a passar, repetido diversas vezes, variando apenas o seu contexto e som, Nikolai Nekh oferece-nos Meio Corte. A curta-metragem parte do seguinte mote: "Para reivindicar os seus direitos laborais, os trabalhadores dos transportes públicos decidiram retirar o som aos comboios em circulação”. Irónico e original, Meio Corte introduz desenvolvimentos a esta reivindicação a cada passagem do comboio, onde contexto e som mudam a perspectiva do espectador.
A curta-metragem revela-se um desafio interessante para a plateia, a partir de uma ideia surpreendente e de um bom trabalho de som. No meio de tantas greves de transportes, aqui está uma forma diferente de manifestar descontentamento. Por que não?
Irmãs - 7/10
Irmãs é uma ficção construída a partir de imagens de proveniências diversas que acompanham um texto que conta como uma mãe, obcecada com a beleza delicada dos filhos, decide criá-los como raparigas e como eles crescem resignados com o facto, ao mesmo tempo que inventam uma vida fora desses corpos. Pedro Lucas trouxe-nos um argumento arriscado mas muito bem construído e desenvolvido, com a história a ser narrada por um dos rapazes.
Ao óptimo texto - com uma boa conclusão -, juntam-se as imagens de arquivo que desfilam perante nós enquanto a arrepiante história nos é contada. Sentimos o medo dos dois irmãos, o medo do mundo que os espera. "Todo o corpo é uma prisão", ouvimos a certa altura e Irmãs é um bom exemplo disso.
Em Cada Lar Perfeito um Coração Desfeito - 6.5/10
Em Cada Lar Perfeito um Coração Desfeito recorre às sete fases do amor enunciadas por Stendhal para, em sete segmentos, falar do desamor ou da realidade da desilusão. Joana Linda traz-nos um trabalho poético, enquanto percorre Admiração, Desejo, Esperança, Sedução, Desilusão, Aceitação e Fim.
Em Cada Lar Perfeito um Coração Desfeito assume um carácter algo experimental, usando manequins enquanto ouvimos ler uma troca de cartas de amor, contando-nos a história da Princesa e o Sapo, oferecendo-nos uma nova versão de Strangers in the Night, filmando pavões ou o mar... Imagens cheias de significadas, acompanhadas por um óptimo texto e com um excelente trabalho de fotografia.
É Consideravelmente Admirável da Tua Parte que Ainda Penses em Mim Como se Aqui Estivesse - 6/10
É Consideravelmente Admirável da tua Parte que Ainda Penses em Mim Como se Aqui Estivesse cria um ambiente alucinado que reflecte o desespero de Zé, um músico esquizofrénico que quer regressar aos palcos. André Mendes e Andreia Neves trazem-nos uma história cheia de cor que balança entre alucinações e lembranças do passado.
Um certo surrealismo paira sobre esta curta-metragem que, acima de tudo, aborda a relação de um pai ausente com problemas psicológicos e a sua filha, que, ao que parece, continua a lembrá-lo.
O Silêncio Entre Duas Canções - 4/10
Em O Silêncio Entre Duas Canções conhecemos a história de dois irmãos, Lucas e Laura, a viver temporariamente em Berlim. A relação de enorme dependência entre ambos é abalada quando Lucas revela a vontade de permanecer na cidade, oposta à de Laura que só pensa em ir embora. Mónica Lima leva-nos até à Alemanha e filma o conflito entre dois irmãos.
O Silêncio Entre Duas Canções não se consegue distinguir por nenhum motivo especial. O argumento não adianta muito, com a curta-metragem a começar e terminar sem decisões, sem grandes mudanças, sem um plot twist, sem conclusão. A relação entre os actores tem química, mas sente-se, ainda assim, a falta de maior cumplicidade entre irmãos. Mónica Lima merece contudo elogios pelos bonitos planos que consegue captar ao longo da curta-metragem, onde, muitas vezes, joga com reflexos.
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