domingo, 1 de maio de 2016

IndieLisboa'16: Competição Nacional de Curtas

Na Competição Nacional de Curtas-metragens do IndieLisboa estão 17 filmes na corrida. O Hoje Vi(vi) um Filme assistiu a 15 e faz aqui uma breve análise a cada um deles.

Ascensão - 9.5/10
Cannes recebe Ascensão na Semana da Crítica, o IndieLisboa deu-nos a oportunidade de vê-lo já. Pedro Peralta deixa-nos extasiados com Ascensão, onde, através de três fantásticos planos sequência nos conta uma história de milagres, usando o cinema como obra de arte. Um grupo de camponeses tenta resgatar o corpo de um rapaz de um poço. As mulheres velam em silêncio, os homens resistem no limite das suas forças. No centro de todos eles: uma mãe aguarda o resgate do filho. As personagens, que nos olham directamente, desconfiadas, parecem-nos, por momentos, representações religiosas - qual Maria com o seu Jesus nos braços. A mestria de Peralta é arrepiante e emocionante (com claras referências a Manoel de Oliveira na forma de filmar), e todo o ambiente, sombrio, onde uma névoa paira sobre a acção, vai desaparecendo com o nascer do dia e o desenrolar desta Ascensão. Excelente trabalho.

Campo de Víboras - 8/10
Cristèle Alves Meira vai ao Festival de Cannes com o seu Campo de Víboras, mas antes passou pelo IndieLisboa. Numa aldeia no nordeste de Portugal ocorre um drama inexplicável. Num jardim cheio de víboras é encontrada morta uma senhora idosa. A sua filha Lurdes desapareceu sem deixar rasto. Os rumores sobre o que se poderá ter passado e o destino da casa começam a espalhar-se rapidamente. O mistério assola esta aldeia perdida em Trás-os-Montes, onde Lurdes - uma fabulosa interpretação de Ana Padrão - não se sente em casa. Solitária e atormentada pelas constantes exigências da mãe doente, esta mulher deseja voltar a França e, certa noite, percebe que está a ser perseguida por um careto, qual fantasma insistente. Um trabalho empolgante de Cristèle Alves Meira.

Viktoria - 8/10
Mónica Lima mostra uma notória evolução desde O Silêncio Entre Duas Canções (Novíssimos no IndieLisboa'14)Viktoria traz uma realizadora mais madura, mais envolvente e consistente. Uma excelente surpresa neste IndieLisboa, que augura futuros trabalhos promissores. A protagonista, Viktoria, é uma campeã de corrida em cadeira de rodas que se descobre de novo a andar. Os medos, as dúvidas, as decisões difíceis de tomar. A braços com esta mudança inesperada, a jovem continua os seus duros treinos para as próximas competições e descobre o amor. Com um argumento forte e de alguma originalidade, Viktoria é uma curta-metragem envolvente que faz-nos querer que continue. Óptima interpretação de Anjorka Strechel.

Balada de um Batráquio - 7.5/10
Vencedor do Urso de Ouro no Festival de BerlimBalada de um Batráquio, de Leonor Teles marcou presença no IndieLisboa. Rebelde e de regresso às origens, a realizadora volta a abordar a comunidade cigana. Neste caso, vem quebrar o preconceito e a "tradição" de colocar um sapo à porta dos estabelecimentos comerciais para impedir a entrada de pessoas desta etnia. Balada de um Batráquio é uma curta-metragem activista e corajosa, filmada em Super 8.

Macabre - 7.5/10
Jerónimo Rocha e João Miguel Real trazem à Competição Nacional a sombria animação Macabre. Um homem tem um acidente de carro num bosque, o que o leva a uma enorme casa solitária. Muito ligado ao cinema gótico, o filme constrói-se e desconstrói-se a si mesmo, numa história onde o suspense perdura e algum terror espreita atrás de nós - e do protagonista. Macabre é um filme labiríntico com um excelente trabalho de animação, onde predominam preto, branco, cinzentos e vermelhos. O som confere um ambiente ainda mais aterrador à curta-metragem e é fundamental para provocar o espectador.

Chatear-me-ia Morrer Tão Joveeeeem… - 7/10
Filipe Abranches viaja no tempo e leva-nos consigo até às trincheiras da Primeira Guerra Mundial. Chatear-me-ia Morrer Tão Joveeeeem... é uma animação dura e triste, que mergulha na lama, gases tóxicos, sangue e corpos sem vida das guerras que se sucedem ao longo dos anos e nos vários cantos do mundo. Um alerta para a desolação, horror e morte sem razão.

Menina - 7/10
Simão Cayatte leva-nos a viajar no tempo, até ao Estado Novo, e apresenta-nos uma mulher que começa a suspeitar dos atrasos do marido. Ela é a Menina do título, a mulher "ideal" para a mentalidade da altura. Cayatte recria uma época de forma competente, com algum suspense pelo meio a adensar os medos e as dúvidas da protagonista. As interpretações de Joana Santos Pedro Carmo são outro ponto forte do filme, que poderia funcionar ainda melhor como longa-metragem.

A Guest + A Host = A Ghost - 6.5/10
Marcel Duchamp formou o jogo de palavras A Guest + A Host = A Ghost. Por sua vez, Jorge Jácome continua a associação livre em equações visuais até chegar à solução. Uma curta-metragem experimental que pretende fazer-nos resolver esta equação à nossa maneira, conforme as imagens que nos apresenta. As mãos, o toque, as linhas das mãos e aquelas que se desenham nas rochas, os sinais na pele e as estrelas no céu, a natureza e o homem em paralelismo. Uma ideia desafiante para a plateia.

O Desvio de Metternich - 5.5/10
A preto e branco, Tiago Melo Bento apresenta-nos Leopoldina de Hasburgo, que viaja para o Brasil para encontrar o marido, D. Pedro (IV de Portugal, I do Brasil). No caminho, pára num paraíso no meio do Atlântico. O Desvio de Metternich filma São Miguel com esta aura paradisíaca e poética, enquanto ouvimos os desabafos da protagonista, encantada com o local, tal como nós.

Live Tropical Fish - 5/10
Essencialmente, Live Tropical Fish é um exercício de estilo de Takashi Sugimoto. O director de fotografia estreia-se na realização a preto e branco, com longos planos fixos que cativam o olhar. Ainda assim, e apesar de alguns momentos curiosos, a curta-metragem não se destaca para além disso.

Cabeça D’asno - 4/10
Pedro Bastos traz-nos uma curta-metragem experimental que varia entre o diário filmado e o ensaio sobre a natureza das imagens. Numa casa degradada e solitária, seguimos os traços que se desenham nas paredes, imagens religiosas pairam sorrateiramente, e descobrimos negativos de filmes porno. Cabeça d'asno é um apelo à memória e ao tempo que passa.

Heroísmo - 4/10
Em HeroísmoHelena Estrela Vasconcelos leva-nos a um centro comercial abandonado, onde um rapaz vive escondido. Quando uma rapariga vem visitá-lo, recordações e desolação ocupam os espaços vazios. A companhia é momentânea mas serve de consolo a este jovem solitário. Heroísmo convida à introspecção e à reflexão, enquanto exploramos, com as personagens, os recantos abandonados do centro comercial.

O Sul - 4/10
Uma ideia promissora traduz-se num filme algo decepcionante. Afonso Mota revela como poderia ter feito uma curta-metragem muito interessante, subordinada à mesma temática: as memórias de uma viagem à América do Sul, apresentadas sob vários formatos - cartas, fotografias e vídeos. Contudo, O Sul perde-se no meio de tanta informação e alguma desconexão. Ficam, contudo, as boas intenções.

Rochas e Minerais - 3.5/10
A ideia era boa: ver como algumas amizades de infância podem perder o encanto quando se cresce. Em Rochas e Minerais, Miguel Tavares coloca duas amigas num hotel repleto de memórias de quando eram crianças, num Verão onde predominam os silêncios e os banhos de Sol. Após as fotografias e lembranças do passado juntas, a curta-metragem não nos oferece muito mais para além dos silêncios incómodos e das férias das duas amigas que pouco conversam.

Sem Armas - 3.5/10
Sem Armas entra no mundo violento que a adolescência pode trazer consigo. Num prédio em ruínas, juntam-se uns rapazes, mas a amizade pode não ficar em primeiro plano. Tomás Paula Marques não consegue tirar partido da ideia que trouxe para o ecrã e a plateia não leva muito desta curta-metragem.


* Não tive possibilidade de assistir a duas curtas-metragens em competição: Transmission from the Liberated Zones, de Filipa César, e The Hunchback, de Ben Rivers e Gabriel Abrantes.

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