O MOTELx'17 começa hoje e fica em Lisboa até 10 de Setembro, e para o Prémio MOTELx – Melhor Curta de Terror Portuguesa 2017 estão a concorrer 9 curtas-metragens nacionais: #blessed, de Diogo Lopes; Carga, de Luís Campos; Depois do Silêncio, de Guilherme Daniel; Entelekheia, de Hugo Malainho; A Instalação do Medo, de Ricardo Leite; Mãe Querida, João Silva Santos; O Candeeiro - Um Filme à Luz de Lisboa, de Henrique Costa e Hugo Passarinho; Revenge Porn, de Guilherme Trindade e Thursday Night, de Gonçalo Almeida.
Continuamos a conhecer melhor os realizadores e filmes nacionais seleccionados. Hoje começamos com a entrevista a Luís Campos, realizador de Carga.
De onde surgiu a ideia de fazer este filme?
Luís Campos (LC): A ideia de fazer o Carga nasceu de uma forte vontade de conjugar a paisagem litoral e as idiossincrasias da região de Cortegaça / Esmoriz (tradição pesqueira, venda de lenha, etc.) com uma narrativa fictícia que fosse capaz de envolver comboios de carga, crianças em situação de opressão e de atribuir uma certa fantasia ao conceito realista e pertinente da ida / fuga / migração das gerações mais jovens de Portugal ao longo dos últimos anos.
As bonecas que surgem numa das imagens promocionais do filme, já por si, causam uma espécie de arrepio. Como é que um brinquedo consegue tomar tais proporções quase fantasmagóricas?
LC: As bonecas são um desses vários elementos visuais que me suscitaram o desejo de retratar a peculiar paisagem da região. As bonecas já estavam lá, tal e qual como aparecem no filme, e são elas próprias uma característica do bairro dos pescadores que liga Cortegaça a Esmoriz. Têm o seu quê de creepy, de mórbido, bem junto à bandeira nacional que as acompanha e foi esse espírito que tentei incutir na narrativa do filme (e na realidade dos seus personagens). Esse plano das bonecas é por si só capaz de transmitir uma certa ausência de esperança e de futuro, directamente ligada à (propositada) inexistência de personagens femininas no filme. É um plano meio apocalíptico, como a gigantesca relva do campo de futebol do bairro, que transmite uma certa ideia de passado abandonado, de ruína. E praticamente tudo isso já faz parte daquela paisagem, não partiu da nossa imaginação. Apenas construímos uma narrativa fictícia em torno de (e capaz de ser potenciada por) tudo isso.
Ao mesmo tempo, as crianças assumem um papel fundamental na curta-metragem. Como foi trabalhar com actores tão jovens?
LC: Foi óptimo, recompensador e desafiante. Nenhum dos dois actores protagonistas tinha qualquer experiência prévia na representação e foi necessário encontrar delicadas formas de comunicação nos diversos momentos. Eles próprios são filhos ou netos de actuais pescadores locais, eles próprios fazem parte daquela paisagem. Fiz o casting nas ruas, cruzando-me e conversando com eles, com a ajuda do Humberto Rocha (produtor do filme, que é natural e residente naquela região). Sabia que precisava de um determinado tipo de olhares e de expressões de rosto capazes de sustentar o ambiente e o tom que eu procurava para o filme. Encontrei o que procurava no Gustavo e no André, que abraçaram o desafio com intensidade e com elevado sentido de compromisso. Passaram umas férias de verão diferentes do costume e estão de parabéns pelo resultado final, que é muito bem conseguido de ambos, e só lhes posso estar grato pelo que conseguiram atribuir ao filme.
O que pode o público esperar da curta-metragem?
LC: Espero que alguma tensão e algum deslumbre visual. Aquela paisagem é realmente maravilhosa, de intrigante, e espero que o desafio narrativo que o filme propõe lhe consiga corresponder.
Qual o papel dos festivais de cinema no campo da divulgação do cinema nacional? Que mais pensa que pode ser feito neste campo?
LC: É um papel fundamental, maioritariamente de causa, resistência e amor pelo cinema, que deveria ser mais e mais reconhecido pela sociedade em geral. Os organizadores da larga maioria dos festivais nacionais batalham arduamente para subsistir, ano após ano; os festivais de cinema não são um negócio propriamente rentável ou lucrativo e exigem muito trabalho de muitas pessoas para fazer nascer cada nova edição. Não deixar cair a diversidade da oferta que os nossos festivais eventualmente propõem é uma missão suficientemente digna (e difícil) para não ser aqui considerada. Todos os espaços são poucos para exibir cinema nacional e qualquer janela que possa ajudar a mostrar os filmes que por cá se vão fazendo é sempre benéfica, inclusive na lógica da exportação de conteúdos agora que cada vez mais o mundo está atento ao que acontece neste ímpar cantinho à beira-mar plantado. A concentração de público num determinado festival permite que as obras consigam chegar a pessoas que de outra forma não teriam oportunidade de visualizar os filmes, suscitando e estimulando curiosidade pela transversalidade do cinema. Os festivais têm esse papel activo na própria formação e educação de público. Parece-me que, portanto e apesar de existirem sempre formas de reforçar as actividades de divulgação ao cinema nacional por parte dos festivais existentes, é importante termos uma consciência e um sentimento de celebração pelo que com muito mérito e nobreza por cá vai sendo conquistado: vem aí a 11.ª(!!) edição do MOTELx. É incalculável o valor do trabalho que o festival tem colocado no estímulo e na divulgação do cinema nacional (e na diversidade das propostas que apresenta). Essa sensibilidade e reconhecimento são muito importantes para que eventos como o MOTELx e outros vários possam continuar a existir.
Sinopse
Numa pequena vila piscatória, dois rapazes são forçados a tomar parte activa no tráfico de substâncias ilícitas. Quando o mais velho prepara um plano de fuga, o mais novo vê-se obrigado a lidar com as adversidades de ser deixado para trás.
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