quarta-feira, 28 de novembro de 2018

LEFFEST'18: Vox Lux (2018)

"They wanted a show. I gave them a show,"
Celeste


*8.5/10*

Vox Lux é um turbilhão de emoções que vai da violência brutal ao âmago da cultura pop e superficialidade. Brady Corbet parte de uma ideia com pontos de contacto com o seu filme de estreia, A Infância de um Líder, onde as crianças têm o comando da narrativa. Mais de metade do filme é-nos contado num tom sóbrio e directo, tenso. Mas os anos passam, Vox Lux avança e a protagonista cresce. O tom muda totalmente, e eis uma explosão de música, cor, neuroses, escândalos e tudo mais que a cultura pop adora.

Corbet avança sem receios, com a sordidez que o começa a caracterizar enquanto cineasta. Celeste, uma criança, é o veículo para transmitir a mensagem. 

Um rapaz problemático aparece numa aula de música, mata a professora à queima-roupa e dispara sobre os alunos adolescentes. Celeste (Raffey Cassidy), uma das alunas, recusa-se a ser intimidada e tenta, sem sucesso, chamar a atenção do rapaz, que acaba por atingi-la no pescoço. Este incidente terá repercussões inesperadas. Em recuperação no hospital, Celeste dedica-se à música e, numa vigília pelas vítimas, canta uma pungente canção que escreveu com a irmã, e de imediato capta a atenção do país. Celeste é lançada no mundo do espectáculo aos 14 anos de idade transformando-se numa estrela pop de sucesso com a ajuda da sua irmã (Stacy Martin) e de um produtor talentoso (Jude Law).  Passados 18 anos, Celeste (Natalie Portman) regressa à sua cidade natal para um concerto de promoção do seu novo álbum Vox Lux, depois de escândalos terem afectado a sua carreira.


A imagem vale mais que o talento. Esta estrela emerge da obscuridade, de um acontecimento violento e traumatizante, mas que, para ela, foi acima de tudo a oportunidade que, de outra forma, certamente não chegaria - a sua talentosa irmã que o diga. Brady Corbet é certeiro na sua ironia mordaz. A super-estrela surge através da tragédia. A crítica politico-social é evidente em Vox Lux, por mais que Brady Corbet possa negar. Há muitos Trumps mascarados, os jornalistas são incómodos, as armas são o grande inimigo. Há idolatria um pouco por todo o lado, desde a infância.

No decorrer do filme - e dos anos - temos uma breve lição de História dos 2000s, com destaque para alguns dos atentados terroristas que ficaram na memória: o Massacre de Columbine, o 11 de Setembro de 2001, ou o Atentado de Sousse, na Tunísia, em 2015, mesmo que com uma ou outra ficcionalização. Todos eles acontecimentos utilizados por Corbet na construção desta realidade demasiado hipócrita e violenta.

Dividido em três actos, Vox Lux mostra um excelente e complexo trabalho técnico, onde montagem e direcção de fotografia não passam despercebidas. No elenco, Natalie Portman deixou a música clássica e rendeu-se ao pop. As comparações à personagem de Cisne Negro ficam pela ligação à música e a alguma caracterização. De resto, são totalmente diferentes: Celeste é mimada, pouco talentosa, irresponsável e de maus modos. E talvez por isso mesmo, pela versatilidade que Portman demonstra a cada novo desafio, aqui temos mais um dos seus melhores papéis. E se tantos nomes que ascenderam ao estrelado ainda adolescentes cedo se envolveram em escândalos (Justin Bieber, Miley Cyrus, Britney Spears...), porque é que Celeste seria diferente?

Por seu lado, a prometedora actriz Raffey Cassidy - que surge neste filme a dobrar - interpreta a Celeste jovem e algo inocente, que depressa se torna intimidante e perturbada. Mesmo que nunca o admita, está claro que ela quer a fama, custe o que custar - doa o que doer, sim, porque a dor nunca a larga. O sucesso não chegaria sem pedir algo em troca, parece-me.


Brady Corbet é mesquinho para o espectador, espicaça a sua atenção e curiosidade acerca de Celeste e cria uma espécie de monstro no íntimo daquela personagem - somos testemunhas. No final, não nos mostra as consequências. Deixa no ar o espectáculo que é o mundo actual em torno de fenómenos como Celeste. Parece que o próprio realizador se desinteressa daquilo em que a protagonista se tornou sem nos oferecer uma conclusão em equilíbrio com o chocante início de Vox Lux. Talvez seja essa falta de consistência que possa desiludir a plateia e, com certeza, é propositada. São os tempos em que vivemos.

Brady Corbet apresentou o seu mais recente filme no Lisbon & Sintra Film Festival e conversou com o público após a sessão.

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