quarta-feira, 6 de março de 2019

Crítica: Em Trânsito / Transit (2018)

*8.5/10*


Ia começar este texto com a frase "amor em tempos de guerra", mas Christian Petzold disse melhor: Em Trânsito é, segundo o realizador, o último capítulo da sua trilogia "amor em tempos de sistemas opressivos" - os dois primeiros são Barbara (Alemanha dividida durante a Guerra Fria) e Phoenix (Holocausto).

Em França, na época da ocupação nazi, pessoas como Georg (Franz Rogowski) precisam de fugir do continente, de barco, para escapar ao regime. Na cidade de Marselha, Georg espera obter um visto e, como tantos outros, espera e vagueia sem propósito. O seu caminho cruza-se com o de um escritor que cometeu suicídio e cuja identidade Georg assume.

Seguimos com atenção e apegamo-nos a Georg, sem nunca o condenar - não faríamos o mesmo em situação idêntica e desesperada? Tudo na vida de Georg é inesperado, desde o pedido para entregar as cartas a um escritor, à nova identidade, ao encontro com o pequeno Driss e a mãe Melissa, até à coincidência de conhecer o médico Richard e a bela Marie.


Todos têm um papel fundamental na vida de um homem cuja identidade é tão mutável como os tempos de medo e fragilidade que se vivem na Europa. Há um clima de desconfiança a pairar e o desespero apodera-se dos refugiados ilegais que anseiam por uma vida nova e livre de ameaças ou perseguições.

O jogo de vidas cruzadas, destinos alterados, amor e desespero comandam a narrativa, em consonância com os filmes anteriores desta trilogia. Uma das singularidades de Em Trânsito é o facto de Petzold contar uma história passada durante a Segunda Guerra Mundial numa França contemporânea, com televisões LCD e graffittis nas ruas. No ambiente, as cores vivas contrastam com o clima de terror que assombra as personagens, mas deixam-nos igualmente mais próximos destas, capazes de identificar entre elas muitos problemas actuais. O Sol aquece os espíritos e os corações, numa réstia de esperança que todos têm e este visual mais positivo (contra todas as expectativas) contrasta com Barbara e Phoenix.


O amor e guerra andam muitas vezes de mãos dadas e Christian Petzold tem demonstrado saber bem como construir bons argumentos em épocas muito dolorosas da História mundial. Esta trilogia foi em crescendo, culminando com Em Trânsito, o mais belo filme do realizador alemão até agora.

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