quinta-feira, 18 de abril de 2019

Crítica: Mug - A Face / Twarz (2018)

*7.5/10*


Da católica e conservadora Polónia, chega aos cinemas Mug - A Face, uma comédia negra sobre os paradoxos da religião e sobre o poder da aparência na sociedade. O filme, realizado por Malgorzata Szumowska, conquistou o Grande Prémio do Júri no Festival de Cinema de Berlim 2018.

O argumento pega em dois momentos mediáticos da Polónia: a construção da maior estátua do Cristo Rei do mundo, em Świebodzin, concluída em 2010, e o primeiro transplante de rosto de emergência. Michal Englert e Malgorzata Szumowska juntam-nos para contar a história de Jacek.

Jacek (Mateusz Kosciukiewicz) adora heavy metal, a namorada e o cão. A sua família, a sua pequena cidade natal, os seus colegas da paróquia, todos o vêem como uma aberração divertida. Jacek trabalha nas obras de construção daquela que será supostamente a estátua de Jesus mais alta do mundo. Mas quando um grave acidente de trabalho o desfigura completamente, todos os olhos se voltam para ele enquanto passa pelo primeiro transplante facial no país.

Os problemas de identidade surgem após a operação, mas para Jacek parece ser mais difícil lidar com a reacção dos que o rodeiam do que com a própria habituação à nova cara. A vida transforma-se totalmente e as relações com a comunidade mudam - apenas a irmã não o abandona. Se antes era visto de lado por ter cabelo comprido, tatuagens e ouvir metal, agora é motivo de repulsa mas de igual curiosidade pela nova cara.


Afinal, numa comunidade pequena e conservadora - qual Polónia em miniatura - com um fervor religioso totalmente desajustado aos comportamentos, Jacek - o "monstro" - é aquele que tem o coração mais puro e mais ambição na vida. A equipa de caracterização de Mug - A Face faz um trabalho muito realista e Mateusz Kosciukiewicz mostra-se à altura do desafio, numa interpretação que conquista facilmente a plateia.

A crítica não perdoa os pecados dos devotos. Desde a excêntrica cena de abertura do filme - já vimos semelhante por cá -, com o consumismo desenfreado a possuir - qual demónio - quem aguarda as promoções à porta da loja, para, assim que as portas se abrem, correrem em roupa interior para serem os primeiros a lutar por uma televisão LCD; à xenofobia latente, onde abundam piadas racistas na noite de Natal para de seguida cumprir-se a tradição de ir à Missa do Galo; os peditórios que juntam milhares para uma estátua mas muito menos para ajudar um doente; as selfies com o "monstro", os insultos, e tantos outros que nos farão rir e pensar...


Do primeiro ao último plano, não faltaram motivos para avaliar a sociedade - aqui temos uma amostra da polaca, mas podemos encontrar aquelas personagens em qualquer canto do mundo -, e a realizadora Malgorzata Szumowska é mordaz nessa avaliação. Ao mesmo tempo, filma com intensidade e aguça-nos os sentidos, quer nas paisagens até perder de vista ou nos planos fixos que filmam a solidão de Jacek, como nos desfoques constantes onde apenas espreitamos o que realmente interessa ver no momento.

Mug - A Face chega a ser cruel na sátira, mas é igualmente incisivo na construção desta crítica à religião, mas principalmente à sociedade hipócrita que a profetiza.

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