domingo, 27 de outubro de 2019

Doclisboa'19: Eu Não Sou Pilatus / I'm not Pilatus (2019) + Santikhiri Sonata (2019)

Sessão dupla de dois filmes da Competição Internacional do Doclisboa'19, um português, outro uma co-produção da Tailândia e Alemanha. Os dois com um tema em comum: os problemas vividos pelas minorias étnicas (violência, racismo...) que o mundo continua a enfrentar, seja no oriente ou no ocidente. Cada um à sua maneira, Eu Não Sou Pilatus, de Welket Bungué, e Santikhiri Sonata, de Thunska Pansittivorakul, são dois alertas aos países de origem: o primeiro em forma de manifesto, o segundo como uma carta de amor.


Eu não sou Pilatus, de Welket Bungué - 7.5/10

Foi à distância que o realizador Welket Bungué reagiu aos polémicos acontecimentos no Bairro da Jamaica e posterior manifestação em Lisboa, no início de 2019. Estava no Rio de Janeiro e sentiu-se na obrigação de intervir, de "não ser Pilatus". Eis que surge um Manifesto em forma de curta-metragem, que utiliza dois vídeos virais nas redes sociais, transformando-os para passar a sua mensagem e ponto de vista.

Contrapondo o vídeo filmado por moradores do Bairro da Jamaica - que mostra agressões de polícias a populares - a um outro, filmado por uma mulher que se apresenta como "Júlia", onde relata o seu ponto de vista desinformado e racista da manifestação na Avenida da Liberdade, Welket Bungué cria um filme reaccionário, num grande constaste entre duas perspectivas tão distintas. O realizador trabalho sobre as palavras daquela mulher.

O título subversivo é apenas mais uma ferramenta que alerta para o perigo que a sociedade corre.
"É preciso confrontarmo-nos", afirmou o realizador na sessão. E se, como refere a sinopse de Eu Não Sou Pilatus, "este é o Estado em que nos tornámos. No entanto, queremos que os direitos civis sejam respeitados, mas continuamos a manifestar uma espécie de sentimento pelo outro aparentemente inusitado e distante, um racismo endémico, purgante e distanciador", é preciso resistir e lutar para que o estado das coisas mude para melhor.




Santikhiri Sonata, de Thunska Pansittivorakul - 7.5/10

Dividido em três partes, Santikhiri Sonata foi rodado na zona que dá título ao filme, Santikhiri, que significa “a colina da paz”. E é esta paz que o realizador Thunska Pansittivorakul parece apregoar nesta "carta de amor", um tanto cheia de mágoa, ao seu país. 

A música é uma constante - ou não fosse uma sonata - e, entre conversas e actuações de dois rapazes de origens distintas, vemos imagens de arquivo, provocadoras e impactantes, parte da História censurada. Discutem-se origens e dificuldades de obter nacionalidade tailandesa mesmo para os que lá nasceram, fala-se do exército, de sonhos, de sair do país.

Após a chegada ao poder do governo do general Prem, nos anos 1980, foi tudo – drogas, comunismo, corrupção, tráfico humano e pessoas apátridas – suprimido por completo, para promover a ordem e a paz. “Quando era miúdo, a TV estava cheia de propaganda, inculcando na cabeça das pessoas que o governo militar protegia o país de várias ameaças. A ilusão e o orgulho inabaláveis no facto de o país nunca ter sido colonizado moldaram com sucesso o nosso nacionalismo cego.”, conta o realizador. 

Santikhiri Sonata é violento e poético e, principalmente, muito político. Desmascara o que quiseram apagar da História, e cria uma espécie de alegoria em redor da tragédia.

Sem comentários: