segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Crítica: Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos (2018)

*7.5/10*


Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos é um hino ao lugar dos indígenas no mundo globalizado e, cada vez mais, egoísta. João Salaviza e Renée Nader Messora realizaram um filme que cruza a ficção e o documental, num registo íntimo e colaborativo, com os actores a fazerem parte da construção da longa-metragem. Os realizadores passaram nove meses a viver em conjunto com os índios krahô, criando uma relação fundamental para que o filme funcione.

Numa era em que o respeito pelas comunidades indígenas parece ter retrocedido aos tempos coloniais, o Brasil não aprendeu nada no que toca a honrar os seus habitantes primordiais, os índios brasileiros. Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos é uma obra criada num momento crítico, mas relevante para dar rosto e voz a quem corre sério perigo. O Festival de Cannes 2019, onde o filme conquistou o  prémio especial do júri na secção Un Certain Regard, foi lugar para uma manifestação de alerta na red carpet, para que a comunidade internacional saiba o que se passa junto dos povos indígenas da Amazónia. Realizadores e actores desfilaram vestidos de preto com cartazes de protesto.


Ihjãc, de 15 anos, tem pesadelos desde que o pai morreu. Ele é um índio Krahô, do Norte do Brasil. Ihjãc avança na escuridão com o corpo suado, seguindo uma voz distante que ecoa por entre as palmeiras. A voz do pai chama-o, junto à cascata: chegou o momento de preparar a sua festa de fim de luto para que o espírito possa partir para a aldeia dos mortos. Rejeitando o seu dever e para escapar do processo de se transformar em xamã, Ihjãc foge para a cidade de Itacajá. Longe do seu povo e da sua cultura, vai enfrentar a realidade de ser um indígena no Brasil contemporâneo.

Filmado em 16 mm, adensando a proximidade com a comunidade indígena da aldeia da Pedra Branca, somos levados para a beleza mais primitiva da Natureza, inseridos numa comunidade unida e de tradições e crenças ancestrais.

Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos pede-nos que observemos e preservemos. Se por um lado, assistimos a uma cultura muito diferente da nossa, conseguimos igualmente encontrar influências da globalização nos hábitos dos mais jovens (Kôtô  pinta as unhas e comenta com a mãe a cor da moda). A fuga de Ihjãc para a pequena cidade apresenta-nos às fragilidades do sistema brasileiro no que toca à protecção destas comunidades. Apesar de existir um centro para apoiá-los e tratá-los quando estão doentes, as diferenças são muitas e a comunicação entre índios e brancos não é fácil.


Mas é no ambiente entre o real e o sobrenatural que o filme de João Salaviza e Renée Nader Messora se distingue, para além da vertente inevitavelmente política que encerra. A pureza das imagens e das tradições leva-nos a um outro tempo que é preciso preservar. 

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