quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Crítica: Dois Papas / The Two Popes (2019)

"When no one is to blame, everyone is to blame"
Papa Francisco


*8/10*

Num Planeta Terra polarizado e de cada vez maiores antagonismos, Dois Papas mostra como se encontra união nas diferenças e como o mundo precisa de humanidade, diálogo e compreensão. Fernando Meirelles tomou as rédeas da longa-metragem da Netflix sobre os dois Papas: Francisco e Bento XVI.

As divergências na forma de encarar a religião e modos de vida dão azo a conversas entusiasmantes e cheias de significado. Dois Papas revela-se uma surpresa cinematográfica, que sabe discutir temáticas sérias com um humor certeiro.

O filme acompanha o Papa Bento XVI (Anthony Hopkins) e o Cardeal Bergoglio (Jonathan Pryce) num ponto de viragem histórico na Igreja Católica. Da morte do Papa João Paulo II, passando pelo Conclave que elegeu Bento XVI, até à sua resignação, em 2013, e consequente eleição do Papa Francisco.

Dois Papas constrói conversas que nunca existiram, a partir das ideias que os dois eclesiásticos defendem nos seus sermões, livros ou entrevistas. Provavelmente, se este debate de ideias fosse real, não seria muito diferente do que o argumentista Anthony McCarten escreveu. 


O clima socio-político da Argentina, com a ditadura militar de 1976, serve para contar a história de Jorge Bergoglio, e compreender a oposição que ainda hoje enfrenta no seu país. Os dois Papas lutam contra os pecados que os assombram e anseiam por compreender o que Deus lhes destina. 

A direcção de fotografia faz um excelente trabalho, adensando e aliviando a tensão entre os dois Papas, com grandes close-ups, quase sufocantes, contrapostos com outros planos mais abertos e descontraídos. As marcas de Fernando Meirelles também são facilmente identificáveis - em especial nos Conclaves -, com uma montagem ritmada e quase agressiva, mantendo-nos bem atentos, e planos sequência dinâmicos e enérgicos.

Para lá das semelhanças físicas dos dois actores com as suas personagens, Anthony HopkinsJonathan Pryce são fundamentais para a qualidade do filme. Hopkins, sempre talentoso, incorpora o austero e conservador Bento XVI, conferindo-lhe, ainda assim, a humanidade que muitos cristãos não lhe associavam. Ao mesmo tempo, Hopkins dá-lhe a dignidade que merece, para lá da ostentação que exibia, a par dos costumes tradicionais da Igreja, e mesmo que o seu papado tenha ficado marcado por escândalos financeiros e padres acusados de abusos sexuais. Teremos sempre tendência para simpatizar mais com Francisco, e Dois Papas favorece-lhe a imagem. Claro que Jonathan Pryce muito contribui para tal, com a bondade e tolerância espelhadas no rosto. Há uma humildade contagiante na prestação do actor, liberal, simples e espirituoso, fanático por futebol e pelo tango, mas igualmente capaz de se comover e permanentemente arrependido dos erros do passado.


O melhor de Dois Papas está em todos os momentos em que Hopkins e Pryce contracenam e trocam ideias. É aí que sentimos o quão importante é o filme de Meirelles para o mundo actual. Muito mais do que espiritualidade, ele ensina-nos a tolerância, a compreensão e o diálogo. 

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