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sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Os Melhores do Ano: Top 20 [10º-1º] #2019

Depois da primeira parte do TOP 20 de 2019 do Hoje Vi(vi) um Filme, revelo agora os dez lugares que faltam. Conclusão a tirar dos melhores filmes de 2019: a temática de um mundo em declínio está bem patente em grande parte das minhas escolhas deste ano. E não pode ser só o Cinema a alertar-nos!

Eis os meus 10 favoritos de 2019 (estreados no circuito comercial de cinema - e Netflix - em Portugal). A um indiscutível primeiro lugar, seguem-se quatro títulos muito equilibrados, bem como os restantes filmes do TOP 10.


O melhor de Dois Papas está em todos os momentos em que Hopkins e Pryce contracenam e trocam ideias. É aí que sentimos o quão importante é o filme de Meirelles para o mundo actual. Muito mais do que espiritualidade, ele ensina-nos a tolerância, a compreensão e o diálogo. 


Bellocchio filma com destreza as festas da Cosa Nostra, os crimes, a tortura no Brasil e os julgamentos, por vezes como uma dança, com musicalidade. Por outro lado, o realizador sabe usar os planos-sequência para cativar a atenção da plateia. Acima de tudo, sabe contar uma boa história. Tão depressa nos põe a sorrir com os maneirismos das famílias da máfia, ou os exageros dos detidos no tribunal, como nos põe vigilantes na eminência de uma ameaça. 


Parasitas faz uma crítica social mordaz que contrapõe duas famílias - uma rica, outra pobre - numa Coreia cheia de desigualdades e sonhos. Bong Joon-ho constrói um cenário onde tudo pode acontecer e nunca estaremos preparados para os próximos desenvolvimentos narrativos. Comédia, drama e muita violência são os ingredientes principais deste duelo de classes. O filme carrega consigo um incómodo latente, especialmente cruel. Os momentos de humor disfarçam a culpa que a plateia carrega por não conseguir escolher um lado. Todos têm sonhos e todos querem sobreviver.


Um futuro distópico traz-nos um pai e uma filha a viajar no espaço sem perspectiva de regresso à terra. O buraco negro que parece ser o seu destino assemelha-se ao que a vida daquele homem se tornou desde que embarcou naquela nave. High Life é a proposta violenta e aterradora de Claire Denis dentro da ficção científica, com Robert Pattinson, adulto e paternal, ao comando. O filme carrega uma visceralidade totalmente distinta da que podemos facilmente associar a outros filmes do género. Abundam corpos e fluídos, mas igualmente amor e cuidado. A perversidade anda a par com a pureza, entre passado e presente.


Dor e Glória é um Almodóvar (parcialmente) autobiográfico, que se enfrenta a si e aos seus fantasmas, sem receios e fiel ao seu estilo. É um elogio ao Cinema e prova da admiração pelos que  o tornaram no homem que é. Uma carta de amor às suas inspirações, em jeito de filme. Um trabalho reflexivo e íntimo, sem excessos, que traz à tona o grande actor que é Antonio Banderas


Yorgos Lanthimos está de regresso com A Favorita, um filme que sai um pouco dos cânones a que nos tem acostumado, e um trio de actrizes triunfal: Olivia Colman, Rachel Weisz e Emma Stone. Uma longa-metragem de época especialmente bem filmada, com protagonistas assombrosas, que vagueia entre a comédia negra e o drama com a destreza que só mesmo o realizador grego consegue captar. E temos de confessar, nem num filme de época ele nos dá sossego. E ainda bem.


Martin Scorsese é um mestre a contar histórias e adora um bom enredo de mafiosos. O Irlandês faz-nos recordar os mafiosos dos anos 70, 80 e 90, as mesmas caras, num registo muito mais adulto e menos efusivo. Afinal, a idade pesa-nos a todos e parece que chegamos ao momento de reflexão dos gangsters do cinema. Um filme sobre escolhas e solidão. E sobre uma vida passada com a morte sempre por perto.


Os realizadores criam o cenário perfeito para discutir o estado para que o Mundo caminha. Bacurau é um lugar pacato e de poucos recursos, mas onde a tecnologia e a informação fazem parte da mobília. Estes homens, mulheres e crianças são resistentes e sabem defender-se das façanhas dos poderosos para os derrubar. São claramente instruídos, têm até um Museu. Eis o segredo para vingar e resistir: Cultura! Aquela que tantos governos preferem menosprezar, porque o povo ignorante é muito mais fácil de manobrar. Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles não tremem, nem temem. Não recuam, atacam com humor mordaz e com tiros certeiros, mortos, muito sangue e violência, mas igualmente uma união exemplar. Bacurau é Resistência.


Christian Petzold conta uma história passada durante a Segunda Guerra Mundial, mas numa França contemporânea. No ambiente, as cores vivas contrastam com o clima de terror que assombra as personagens, mas deixam-nos mais próximos destas, capazes de identificar entre elas muitos problemas actuais. O amor e guerra andam muitas vezes de mãos dadas e Petzold tem demonstrado saber como construir bons argumentos em épocas muito dolorosas da História mundial. Esta trilogia (Barbara, Phoenix, Transit) foi em crescendo, culminando com Em Trânsito, o mais belo filme do realizador alemão até agora.


Esqueçam os heróis. Em Joker, só há vilões, com e sem máscara de palhaço. Há uma agonia permanente desde o primeiro plano do filme de Todd Phillips. A angústia por ver ao que tudo chegou, por perceber como a sociedade trata os mais frágeis, com ausência de justiça ou lei; mas principalmente, por encontrarmos tantas semelhanças com o actual Mundo real. Se a sociedade não te acolhe como podes tu acolhê-la? Arthur Fleck é sua vítima e seu produto. Este Joker tem nome e é humano.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

Crítica: Dois Papas / The Two Popes (2019)

"When no one is to blame, everyone is to blame"
Papa Francisco


*8/10*

Num Planeta Terra polarizado e de cada vez maiores antagonismos, Dois Papas mostra como se encontra união nas diferenças e como o mundo precisa de humanidade, diálogo e compreensão. Fernando Meirelles tomou as rédeas da longa-metragem da Netflix sobre os dois Papas: Francisco e Bento XVI.

As divergências na forma de encarar a religião e modos de vida dão azo a conversas entusiasmantes e cheias de significado. Dois Papas revela-se uma surpresa cinematográfica, que sabe discutir temáticas sérias com um humor certeiro.

O filme acompanha o Papa Bento XVI (Anthony Hopkins) e o Cardeal Bergoglio (Jonathan Pryce) num ponto de viragem histórico na Igreja Católica. Da morte do Papa João Paulo II, passando pelo Conclave que elegeu Bento XVI, até à sua resignação, em 2013, e consequente eleição do Papa Francisco.

Dois Papas constrói conversas que nunca existiram, a partir das ideias que os dois eclesiásticos defendem nos seus sermões, livros ou entrevistas. Provavelmente, se este debate de ideias fosse real, não seria muito diferente do que o argumentista Anthony McCarten escreveu. 


O clima socio-político da Argentina, com a ditadura militar de 1976, serve para contar a história de Jorge Bergoglio, e compreender a oposição que ainda hoje enfrenta no seu país. Os dois Papas lutam contra os pecados que os assombram e anseiam por compreender o que Deus lhes destina. 

A direcção de fotografia faz um excelente trabalho, adensando e aliviando a tensão entre os dois Papas, com grandes close-ups, quase sufocantes, contrapostos com outros planos mais abertos e descontraídos. As marcas de Fernando Meirelles também são facilmente identificáveis - em especial nos Conclaves -, com uma montagem ritmada e quase agressiva, mantendo-nos bem atentos, e planos sequência dinâmicos e enérgicos.

Para lá das semelhanças físicas dos dois actores com as suas personagens, Anthony HopkinsJonathan Pryce são fundamentais para a qualidade do filme. Hopkins, sempre talentoso, incorpora o austero e conservador Bento XVI, conferindo-lhe, ainda assim, a humanidade que muitos cristãos não lhe associavam. Ao mesmo tempo, Hopkins dá-lhe a dignidade que merece, para lá da ostentação que exibia, a par dos costumes tradicionais da Igreja, e mesmo que o seu papado tenha ficado marcado por escândalos financeiros e padres acusados de abusos sexuais. Teremos sempre tendência para simpatizar mais com Francisco, e Dois Papas favorece-lhe a imagem. Claro que Jonathan Pryce muito contribui para tal, com a bondade e tolerância espelhadas no rosto. Há uma humildade contagiante na prestação do actor, liberal, simples e espirituoso, fanático por futebol e pelo tango, mas igualmente capaz de se comover e permanentemente arrependido dos erros do passado.


O melhor de Dois Papas está em todos os momentos em que Hopkins e Pryce contracenam e trocam ideias. É aí que sentimos o quão importante é o filme de Meirelles para o mundo actual. Muito mais do que espiritualidade, ele ensina-nos a tolerância, a compreensão e o diálogo.