terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Crítica: O Farol / The Lighthouse (2019)

"And I'm damn-well wedded to this here light, and she's been a finer, truer, quieter wife than any alive-blooded woman."
Thomas Wake


*8/10*

Das profundezas do Mar às entranhas dos Homens, Robert Eggers regressou para criar um ambiente fantasmagórico, suportado por dois actores de talento inesgotável, por um formalismo cheio de homenagens e com mitos e lendas a compor o argumento simples de O Farol (The Lighthouse).

Depois de A Bruxa (2015), o realizador regressa à atmosfera que confunde o sobrenatural com as crenças doentias, resultando num terror muito característico, essencialmente psicológico. Os animais e a Natureza voltam a ter um papel fulcral no decorrer da acção em ambos os filmes.

Em finais do século XIX, dois faroleiros, Ephraim Winslow (Robert Pattinson) e Thomas Wake (Willem Dafoe), chegam a uma remota ilha da Nova Inglaterra para cuidar do farol, mas a convivência não é fácil. Os dois tentam manter a sua sanidade, com álcool, danças e histórias misteriosas que atormentam a mente do mais jovem. Entretanto, uma tempestade despoleta, e o navio que os vem buscar tarda em chegar.


Mitos dos mares - sereias, polvos, gaivotas -, tensão sexual, segredos escondidos na luz do farol, solidão e isolamento, eis os ingredientes de O Farol, que Robert Eggers trabalha da melhor forma para construir um marco do terror contemporâneo, reforçando a sua visão, em continuidade com as ideias desenvolvidas em A Bruxa.

O argumento é simples: dois homens de diferentes gerações estão mais de um mês sozinhos numa ilha, onde têm de cuidar de um farol e estruturas adjacentes. A partir daí, as mentes de cada um trabalham sem parar e a loucura bate à porta. As superstições de Wake depressa chocam com o cepticismo de Winslow, mas enquanto o tempo passa, realidade e mitologia revelam semelhanças inesperadas. As ideias confundem-se, alucinações misturam-se com a realidade. E as experiências sucedem-se, bem como os segredos.


A plateia inquieta-se, mas aprecia as fabulosas interpretações de Willem Dafoe e Robert Pattinson - o veterano de talento consolidado e o jovem em ascensão capaz de qualquer papel - numa química que vai do companheirismo ternurento à mais violenta das relações. Prestações tão físicas como psicológicas, intimas, atordoantes.

Tecnicamente, Robert Eggers quis deixar marca. Filmou em 35 mm, a preto e branco, num formato poucas vezes utilizado (1.19 : 1), criando uma atmosfera de clausura, sem fuga possível - ou não estivéssemos numa ilha. O trabalho de direcção de fotografia de Jarin Blaschke joga com luzes e sombra de forma ímpar, fazendo-nos recuar no tempo, lembrando o expressionismo alemão. O terror ainda se adensa mais na banda sonora de Mark Korven, aterradora.


Herman Melville, Edgar Allan PoeH. P. LovecraftF. W. Murnau, todos espreitam pelas janelas de O Farol, quais gaivotas omnipresentes naquela ilha. Todos influenciam Eggers, que vai construindo uma personalidade forte enquanto realizador, perseguindo mitos, lendas e superstições.

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