domingo, 19 de abril de 2020

Crítica: Monos (2019)

*7/10*


Monos, de Alejandro Landes, confronta-nos com a crueldade de um grupo de crianças soldado, num misto de violência desmedida e inocência roubada.

Num longínquo cume algures na Colômbia, o que parece inicialmente um campo de férias isolado é na verdade o cenário de uma missão: crianças soldado com nomes de guerra têm de garantir a sobrevivência de Doctora (Julianne Nicholson), uma mulher americana feita refém. Mas a morte acidental da vaca leiteira que lhes foi emprestada pelos camponeses, precipita os acontecimentos. O recreio acabou e é tempo de mergulhar na selva.


A banda sonora, de Mica Levi (a mesma compositora de Under the Skin e Jackie), é um elemento fundamental para criar o ambiente aterrador - no sentido mais lato do termo - da história de Monos. Entre o selvagem e o juvenil, o instinto e os valores, a guerra e a adolescência, mergulhamos num mundo de dor em que lamentamos o estado mental de crianças guerrilheiras. Não há distinção entre bem e mal, certo ou errado. Os valores não existem e a sua ausência parece ser desumanizadora. Os jovens apenas seguem a sua causa e crenças - que nunca chegamos a saber quais são. E o poder, que é o pior guia para uma boa conduta quando mal empregado. O poder cega e desespera e é isso que vemos espelhado nos rostos infantis mas endurecidos dos jovens, selva adentro.

E é quando tudo se descontrola que Monos nos lembra, por momentos, Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola (também se têm feito comparações com o romance O Senhor das Moscas, de William Golding, pela temática comum de crianças em luta pela sobrevivência), pela tribalidade visual que, de repente, os jovens assumem, sob o comando do violento Pé Grande (Patagrande). Agora o grupo ataca camuflado, com pinturas tribais. E é também ali, que o ritmo frenético da câmara de Landes e da montagem nos fazem perder o norte, entre os perigos da selva e a força do rio - e os planos de tirar o fôlego, num grande trabalho do director de fotografia Jasper Wolf.


E numa história dura, protagonizada por actores muito jovens - quase todos estreantes -, há que destacar a coragem para enfrentar um desafio tão exigente - os locais das filmagens foram eles próprios uma aventura, em plena selva colombiana, no Parque Nacional Chingaza. As atenções viram-se em especial para a prestação de Sofia Buenaventura, na pele da discreta e decidida Rambo, e do já experiente Moises Arias, como o impiedoso Patagrande.

Desconfortável e violento, todavia igualmente festivo e inocente, Monos é um filme de paradoxos, começando pelos sentimentos contraditórios que desperta no público, entre a piedade, a reprovação, o medo, o choque e até a empatia.

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