quarta-feira, 27 de maio de 2020

Monstra 2020: Competição SPA Vasco Granja em Análise

A Monstra - Festival de Animação de Lisboa 2020 já arrancou - em casa - e assistimos aos 13 filmes da Competição Portuguesa - SPA Vasco Granja. Eis que 2020 é mais um ano onde se denota a grande qualidade da animação nacional, com títulos muito distintos e repletos de talento e imaginação, memórias, críticas e tomadas de consciência.

To You On The Eve of Isolation
Nas 13 curtas-metragens, destacam-se algumas temáticas comuns, como as emoções e o renascimento pessoal, predominante em To You On The Eve of Isolation, de Óscar Ferreira, onde Tormund vive sozinho, com poucos recursos para sobreviver num mundo em que é sempre Inverno e, depois de matar um cervo, é visitado por uma criatura mística que o guia por um caminho de auto-reflexão, passando a mensagem através da fantasia; igualmente em Ode à Infância, de João Monteiro e Luís Vital, em que, durante uma visita ao parque, com o seu pai protector, uma tímida rapariga, faz uma amiga enérgica e quase o seu oposto, que a ajudará a encontrar-se e convida a arriscar; ainda em Ødelagt, de Eduarda Duarte, que nos mostra como até no mais escuro dos locais a luz chega; e em Nestor, de João Gonzalez, onde somos apresentados a um homem com transtorno obsessivo-compulsivo, que vive numa casa flutuante, que nunca pára de oscilar.

Purpleboy
E num ponto de vista bastante distinto dos anteriores, também Purpleboy, de Alexandre Siqueira, se poderá encaixar nesta temática de renascimento, apresentando-nos Oscar, uma criança que nasce do jardim dos seus pais. Ninguém sabe o seu sexo biológico mas ele identifica-se com o género masculino, entrando numa dura jornada para ser reconhecido como tal. Ao mesmo tempo em que a temática da identidade de género entra em cena (desde logo anunciada no título), também é feita uma forte crítica sociopolítica ao Brasil.

Tio Tomás, A Contabilidade dos Dias
Também com foco nas emoções, mas levando-as numa homenagem a quem foi uma inspiração, e de quem se guarda boas memórias, encontramos Tio Tomás, A Contabilidade dos Dias, de Regina Pessoa, um filme que é um elogio romântico ao tio da realizadora. Sente-se a intensidade da ligação com o forte traço autobiográfico, a partir das memórias afectivas e visuais da infância da autora. Ela torna-nos próximas deste familiar que tanto lhe ensinou e a marcou, mas que cedo perdeu a razão de viver. Aqui, podem encontrar-se semelhanças temáticas com Nestor, ambas as curtas com protagonistas que sofrem de transtornos psicológicos, com a saúde mental a ser o motor das suas acções.

A desconstrução e reconstrução da criação está presente nas curtas A Mãe de Sangue, de Vier Nev, onde uma cientista grávida, dois rapazes e um gato obcecado com borboletas lidam com a sua transformação, e joga bastante com as ilusões de óptica; e em Catarse, de Margarida Roxo Neves e Tiago Gomes, na exploração de um desenho catártico, dos detalhes até à imagem geral.

O Peculiar Crime do Estranho Sr. Jacinto
Outro tema com bastante foco na Competição Nacional desta edição do Monstra é o respeito pelo ambiente e pelos seres vivos. São três as curtas que tocam de forma certeira no assunto: O Peculiar Crime do Estranho Sr. Jacinto, de Bruno Caetano, uma animação em stop motion inspiradora, que se passa numa cidade onde a natureza foi proibida, e o pequeno crime de um homem simples desencadeia consequências inesperadas; Maré, de Joana Rosa Bragança, que nos apresenta um fantástico ser gigante e um local de grande beleza natural de que fez sua casa, ele será o nosso protector das praias e da vida marinha; e Cruelty Free, de Cristiane Reis, um filme em stop motion, breve e eficaz na mensagem, que alerta para a crueldade de que ainda muitos animais são alvo no mundo dos produtos de beleza e cosmética.

As novas realidades, que se conhecem perto ou longe da tecnologia, são temas abordados em Half Love, de Inês Rodrigues, onde uma jovem vive iluminada pela claridade dos ecrãs que a rodeiam e é através dele que cria laços, enquanto procura uma fonte de luz na solidão virtual; e, de modo bem diferente, em Assim Mas Sem Ser Assim, de Pedro Brito, uma curta inspiradora para qualquer idade. O pequeno protagonista desafia-nos à socialização fora de portas, conhecendo outras vidas e dando asas à imaginação. Incentivado pelo pai, um rapaz lança-se na aventura de conhecer os vizinhos.

Assim Mas Sem Ser Assim
Um ano de muita diversidade e apelos, de muita imaginação e mais uma de tantas provas de como a animação em Portugal é das melhores que podemos ver.

Tio Tomás - A Contabilidade dos Dias, de Regina Pessoa - 9/10
Purpleboy, de Alexandre Siqueira - 8.5/10
O Peculiar Crime do Estranho Sr. Jacinto, de Bruno Caetano - 8/10
Assim mas Sem Ser Assim, de Pedro Brito - 7.5/10
Maré, de Joana Rosa Bragança - 7/10
A Mãe de Sangue, de Vier Ney - 7/10
Nestor, de João Gonzalez - 7/10
To You on The Eve of Isolation, de Óscar Ferreira - 6.5/10
Ode à Infância, de João Monteiro e Luís Vital - 6.5/10
Cruelty Free, de Cristiane Reis - 6.5/10
Ødelagt, de Eduarda Duarte - 6/10
Catarse, de Margarida Roxo Neves e Tiago Gomes - 6/10
Half Love, de Inês Rodrigues - 6/10

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