*8/10*
Darkness (Buio), de Emanuela Rossi, é uma das grandes surpresas do MOTELx 2020, com um terror atmosférico e psicológico. A primeira longa-metragem da realizadora italiana é feminista e clama a emancipação feminina, com uma história cheia de influências de filmes como Canino, de Yorgos Lanthimos, ou Miss Violence, de Alexandros Avranas.
Ainda que muito menos violento que os filmes gregos, as ideias são semelhantes, centrando-se numa família onde o pai exerce a autoridade e as filhas devem-lhe obediência cega. Em Darkness, junta-se ainda o facto dos protagonistas aparentemente viverem num ambiente pós-apocalíptico.
Stella é uma rapariga de 17 anos que mora com o pai e as duas irmãs mais novas, Luce e Aria, numa casa isolada e fechada ao mundo exterior. Num mundo pós-apocalíptico, devido a uma explosão solar ocorrida há alguns anos que dizimou grande parte da população, o pai é o único que pode sair de casa, porque só os homens mais fortes aguentam a luz do sol. Mas Stella começa a desconfiar que a versão que o pai lhes conta esconde uma grande mentira.
A temática de Darkness não é nova, mas a abordagem que Emanuela Rossi adopta para contar a história destas três irmãs é diferenciadora. Há uma subtileza nas imagens e nos gestos que basta para perceber que o abuso exercido sobre estas crianças vai além da proibição de sair e de recordar os momentos do passado feliz, junto da mãe, entretanto desaparecida.
São anos de vida roubados pelo pai às três jovens, que vivem enclausuradas, onde a única socialização possível é feita entre paredes, em brincadeiras de crianças ou consoante as vontades do pai manipulador e austero. Elas estão totalmente dependentes dele, até para se alimentarem, e a ausência prolongada do progenitor traz um perturbador medo de morrer, aliado a uma vontade de se libertarem e explorarem o mundo, mesmo que seja perigoso.
As memórias confusas da infância de Stella, a irmã mais velha, que mais anos viveu no mundo antes da explosão solar, vão-se reconstruindo quando percebe que está a assumir o papel que a mãe também desempenhou. Stella está a crescer - a infância ficou para trás - e percebe que há muito de errado naquela casa e naquela família. As memórias surgem-lhe através de sonhos, fragmentos que lhe mostram (a ela e à plateia) quem é realmente aquele pai abusivo.
Às regras rígidas impostas pelo pai em casa, com um fervor religioso que impõe o machismo e se centra no livro do Apocalipse - aumentando o medo do exterior e do desconhecido -, contrapõem-se a liberdade e a esperança das três irmãs, que vêm de cima, do sótão que conduz ao céu, ou ao exterior, tão temido como ansiado.
Destaque para o excelente desempenho da jovem protagonista Denise Tantucci e para o trabalho da direcção de fotografia de Marco Graziaplena, captando a aura sombria e desprovida de emoções do interior daquela casa de janelas trancadas.
Em Darkness, Emanuela Rossi faz um elogio ao sexo feminino (dedica o filme às "meninas que resistem"), enquanto explora a liberdade e o crescimento, e tece uma crítica feroz ao machismo e aos tiranos por esse mundo fora.
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