Antebellum: A Escolhida é um corajoso confronto da sociedade norte-americana actual com os tempos da escravatura pré-Guerra Civil. O filme de Gerard Bush e Christopher Renz tem sido entendido por uns como uma afronta de violência gratuita e, por outros, como um alerta para a gravidade da situação que os afroamericanos continuam ainda hoje a viver - por aqui, concordamos com os segundos.
Partilhando semelhanças com A Vila, de M. Night Shyamalan, e, tematicamente, com Foge, de Jordan Peele, Antebellum é capaz de nos manobrar para que nada seja óbvio, e depois tudo faça sentido.
A escritora de sucesso Veronica Henley (Janelle Monáe) vê-se presa a uma realidade terrível que a obriga a enfrentar o passado, presente e futuro, antes que seja tarde demais. O seu destino cruza-se com o de uma escrava chamada Eden (também intepretada por Janelle Monáe).
O paralelismo estabelecido entre o passado e o presente é um dos grandes motores de Antebellum, e os realizadores Bush e Renz sabiam bem onde queriam chegar, que mensagem queriam passar. Contudo, o filme devia ir mais fundo na ferida em que toca, com um argumento mais acutilante, sem receios de travar uma luta contra o racismo intrínseco da sociedade norte-americana, que nem a guerra civil, nem todos os avanços feitos ao longo de mais de cem anos de História conseguiram travar totalmente. É preciso delegar responsabilidades, sem medo de confrontar o passado. Este filme fá-lo ligeiramente, a mensagem passa, mas dilui-se na pouca profundidade das personagens e situações. Um pouco mais de convicção e consistência ao longo do segundo acto e o resultado final seria louvável.
Os pesadelos que atormentam a protagonista são muito mais reais do que aparentam, tal como o terror que caracteriza o filme. O público sente-se tão incomodado pois o retrato projectado no ecrã é historicamente real e, como tal, não se pode falar em violência gratuita em Antebellum. A longa-metragem é, em parte, um revenge movie, ao mesmo tempo que se traduz num alerta visual e impactante para os tempos actuais, onde os supremacistas brancos têm ganhado terreno e não são condenados pelo Presidente norte-americano.
A forte presença de Janelle Monáe, com uma grande interpretação, é um dos grandes destaques deste filme que sairia a perder sem uma protagonista tão capaz. A artista - especialmente quando encarna Eden - transpira força e coragem, que contrastam com a fragilidade da sua figura e a tornam uma heroína de garra e difícil de ignorar. Importante de destacar é o facto de termos uma mulher no papel principal de Antebellum, demonstrando mais de perto as atrocidades que as mulheres negras sofriam à mão dos homens brancos durante a escravatura, contando-nos a história sob o ponto de vista feminino.
O silêncio impera nas plantações de algodão, e Antebellum quer que, na sociedade actual, os afroamericanos tenham a palavra, se possam emancipar política, social e culturalmente sem constrangimentos, conquistem os direitos que lhes são devidos e estão há décadas na Lei.
A estreia da dupla de realizadores nas longas-metragens é ambiciosa e, mesmo que esteja longe de ser perfeita, incomodou o mundo e está a dar que falar. Afinal, o confronto com o passado, quase nunca é fácil.
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