A Festa do Cinema Italiano começou no dia 4 de Novembro, em Lisboa, e continuará a percorrer o país nas próximas semanas. Num contexto tão especial como o que vivemos, quisemos saber como tem sido organizar um festival de cinema em plena pandemia e falar sobre alguns destaques desta 13.ª edição do evento. O director da Festa, Stefano Savio, respondeu às questões do Hoje Vi(vi) um Filme.
Stefano Savio Foto: Vera Marmelo |
Num ano tão incomum, que mais parece um filme de terror, como foi organizar a Festa do Cinema Italiano? Para além do adiamento forçado, quais os principais desafios que encontrou?
Stefano Savio: Realizar um festival de cinema nesta situação é claramente um desafio difícil. Há as dificuldades logísticas, como a impossibilidade de trabalharmos todos em conjunto no mesmo escritório, assim como a redução da programação, a potencialidade da própria programação, não termos a possibilidade de ter convidados estrangeiros, nem organizar eventos sociais, principalmente. Mais que a nível de organização, é uma perda a nível do conteúdo que o festival consegue dar. Mas, ao mesmo tempo, conseguimos proporcionar uma programação forte, por isso, quem gosta de cinema, quem gosta de cinema italiano, acho que, apesar da situação, tem uma programação interessante e forte.
Itália foi o primeiro país europeu a sofrer com a chegada da Covid-19. Todos acompanhámos com consternação o evoluir da situação italiana - e europeia no geral -, mas para si e para a equipa da Festa tudo terá sido vivido de uma forma muito mais próxima e emotiva. Como foi conciliar tantos sentimentos, ao mesmo tempo que se decidia o futuro da 13.ª edição do festival?
Stefano Savio: Sim, Itália foi um dos países na Europa a ser mais afectado pela pandemia. Num período inicial, havia muita insegurança. Parte da nossa equipa é composta por italianos, e também por muitos portugueses. A proximidade com o nosso país era forte, e a ideia de realizar um festival de cinema italiano naquela altura era também uma maneira de demonstrar que "ainda estamos vivos", no sentido de que era importante lembrar a Itália, ficarmos próximos da situação italiana, mostrando também cinema italiano em Portugal. Depois, infelizmente, a pandemia evoluiu e estendeu-se a toda a Europa e a todo o mundo. É um desafio que todo o mundo teve de enfrentar.
O facto de parte da programação da Festa estar também disponível online, na plataforma Filmin, é já de si uma forma de reinventar o festival face às restrições impostas pela pandemia?
Stefano Savio: Consideramos que a pandemia acelerou um processo que já estava a crescer, uma passagem, sempre mais forte, de uma fruição cinematográfica em sala a uma online. Nós estamos bastante abertos nesse sentido, e consideramos que o importante é alcançar quanto mais público possível, chegar a novos públicos, e por isso uma plataforma online é uma ferramenta muito interessante para nós. Continuamos a considerar que um festival ou a projecção de um filme ao vivo seja a melhor experiência possível, mas também as potencialidades destas novas plataformas são muito interessantes. Por exemplo, este ano organizamos um festival de cinema online no Brasil e alcançámos 200 mil espectadores. São números muito importantes, a que provavelmente fisicamente era difícil chegar. Por isso, sim, acho que apesar da pandemia, esse será o futuro também em próximas edições; criar festivais híbridos onde haja uma parte física e uma parte online será uma realidade, não só para nós.
A estreia de Pinocchio, de Matteo Garrone, na abertura da Festa será um dos momentos altos desta edição. O que pode o público esperar desta versão mais sombria do clássico?
Stefano Savio: Pinocchio, de Matteo Garrone, é um dos grandes filmes desta temporada italiana. Um filme que demonstra, mais uma vez, o talento visionário de Garrone, que consegue transformar as fantasias de Collodi de maneira visual, mantendo o imaginário do realizador, bastante sombrio, bastante gótico, mas, ao mesmo tempo, muito pictórico e fantasioso. Acho que é um Pinocchio com uma alma diferente daquilo que conhecemos através da versão da Disney, que foi a mais divulgada do mundo. É um Pinocchio original, mas pode ser uma descoberta para muito público.
A retrospectiva de Federico Fellini, por ocasião do centenário do cineasta, representa uma oportunidade de redescobrirmos a sua filmografia. Na sua opinião, de que modo a obra de Fellini ainda comunica com o espectador contemporâneo, assim como com o cinema actual?
Stefano Savio: A retrospectiva integral de Federico Fellini, organizada pela Cinemateca Portuguesa, é uma grande ocasião para todos os espectadores portugueses descobrirem ou voltarem a ver a obra de um dos realizadores mais seminais e influentes do cinema mundial. A capacidade de Federico Fellini tornar os seus sonhos, os seus desejos, as suas fantasias em película foi uma fonte de inspiração para muitos realizadores contemporâneos. Facilmente podemos ver inspirações dele nos filmes de Wes Anderson, David Lynch e muitos outros. Acho que é muito importante também o trabalho que estamos a fazer ao pôr em discussão, em conversa quase, um cinema clássico italiano, com novos cineastas contemporâneos. Era também essa a ideia do Amarcord, a secção retrospectiva da Festa do Cinema Italiano, que puxa sempre por este diálogo entre passado e presente.
O que mais gostava que esta retrospectiva alcançasse, ou revelasse de novo, sobre um cineasta aclamado de forma tão unânime?
Stefano Savio: A retrospectiva integral, onde se mostra os filmes mais conhecidos do Fellini, mas também as obras, como por exemplo os episódios que ele realizou em conjunto com outros realizadores italianos menos vistos, são uma grande possibilidade para ver qual foi a trajectória de Fellini dentro do cinema italiano. Fellini nasceu fundamentalmente logo a seguir àquilo que era o neorrealismo, mas rapidamente se demarcou, criou uma linguagem completamente autónoma. É interessante ver como, ao longo dos anos, a sua linguagem, o seu estilo, as suas temáticas evoluíram, tornaram-se ainda mais complexas, mas mantendo sempre um traço de fundo, uma capacidade única de Federico Fellini concretizar em imagem - imagens que depois se tornam universais -, o que era um subconsciente, uma fantasia, um desejo que o próprio realizador tinha.
A Festa do Cinema Italiano vai percorrer diversas cidades nacionais, sendo uma oportunidade para o público poder, por alguns momentos, esquecer a pandemia e desfrutar de bom cinema, em segurança. Quais os motivos que daria aos espectadores mais receosos para que venham à Festa do Cinema Italiano?
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