segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Crítica: Martin Eden (2019)

*8.5/10*


Martin Eden, de Pietro Marcello, é mais um dos exemplos da qualidade que tem emergido do cinema italiano nos últimos anos. A adaptação cinematográfica do romance homónimo (com muito de autobiográfico) de 1909, de Jack London, é uma história de ascensão e desencanto, mas igualmente uma ode à Sétima Arte.

"Depois de salvar Arturo (Giustiniano Alpi), um jovem herdeiro de uma família da classe média industrial, de um confronto, o marinheiro Martin Eden (Luca Marinelli) é convidado a visitar a família. É aí que conhece Elena (Jessica Cressy), a bela irmã de Arturo, apaixonando-se por ela à primeira vista. A culta e requintada jovem mulher torna-se não só o amor de Martin mas também um símbolo do status social a que ele aspira. À custa de esforços enormes e ultrapassando os obstáculos que a sua origem modesta representa, Martin persegue o sonho de se tornar escritor e - sob a influência do intelectual amigo mais velho Russ Brissenden (Carlo Cecchi) - envolve-se em meios socialistas, entrando em conflito com Elena e o seu mundo burguês."


Do mar para as letras, Martin Eden é uma história de luta e superação, de paixões proibidas, mas acima de tudo, uma reflexão sobre a sociedade e o individualismo, entre discursos políticos de desconstrução de ideologias.

Se, por um lado, Elena, a jovem culta e rica, é uma das razões para o seu declínio, também é ela a responsável pelo seu interesse e dedicação total à literatura e à vontade de aprender. Ele ambiciona ser como ela e ser aceite no seu mundo. O homem de parcos estudos e recursos trava uma luta contra todas as adversidades, a falta de dinheiro, textos recusados, numa jornada de superação. Ao mesmo tempo, as figuras com quem se cruza vão mudando a sua vida, com especial destaque para a sua amiga Maria e os seus filhos, que o acolhem; e Russ Brissenden, que o apresenta ao socialismo.


A conduzir o filme e a incorporar toda a densidade do protagonista com uma força e energia ímpares, está Luca Marinelli, em constante transformação física e psicológica deste marinheiro escritor.

Entre os estudos, a criação literária, o romance e acesos debates políticos, mantém-se sempre a esperança em alcançar reconhecimento pelo seu trabalho. A sua evolução é notória, com um crescendo de carisma e de ideias bem definidas. E mesmo que a última parte da longa-metragem - em que há um salto temporal e entra em cena a decadência e o cansaço de viver - saiba a pouco, em comparação com o restante filme, Martin Eden é uma peça de bom cinema, em conteúdo e forma.


No entanto, o filme de Pietro Marcello vai mais além. Filmado em 16mm e recorrendo a imagens de arquivo, há um elogio ao Cinema enquanto arte, com um trabalho de direcção de fotografia muito competente e uma banda sonora que confere algum lirismo à acção. Enquanto assistimos a Martin Eden, descobrimos várias fases do cinema italiano, com uma grande componente de neorealismo e, claro, as marcas do renascimento actual (onde estão os filmes de Alice Rohrwacher ou Matteo Garrone).

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