quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Opinião: Minisséries - The Virtues (2019)

*8.5/10*

A minissérie The Virtues é um trabalho muito pessoal de Shane Meadows, que cria uma história, inspirada no seu próprio trauma para libertar e confrontar os seus fantasmas. O resultado é uma obra poderosa e incómoda de quatro episódios, que está agora disponível na plataforma Filmin Portugal.

Shane Meadows e Jack Thorne constroem a minissérie em torno das ideias de vingança e redenção, acompanhada por uma banda sonora sombria e intensa de PJ Harvey

"Sem família próxima a quem recorrer, Joseph está obcecado com um passado que durante décadas tentou esquecer, enterrando-se no álcool e nas drogas. Farto de uma vida sem rumo, decide regressar à Irlanda natal para enfrentar as suas lembranças de infância, ligados aos serviços sociais que se encarregaram da sua tutela. Destroçado física e psicologicamente, reencontra Anna, a irmã que não via desde que era criança, e começa a trabalhar na empresa do marido desta, Michael. Quando Joseph conhece a irmã de Michael, a irascível e temperamental Dinah, que também vive escrava de uma dolorosa lembrança, estabelece-se entre ambos uma relação que poderá chegar a ser libertadora para ambos."

As memórias traumáticas da infância de Joseph estiveram recalcadas até ao dia em que tem de se despedir do filho de nove anos, que vai viver para a Austrália com a mãe. Eis o grande impulsionador de uma ressaca monumental e da decisão da sua vida: reencontrar o Passado e a irmã que deixou na Irlanda há mais de 30 anos. The Virtues leva-nos a um país que colecciona casos reais sobre um passado sombrio que muitas crianças irlandesas viveram em instituições (As Irmãs de Maria Madalena, de 2002, e Filomena, de 2013, são dois exemplos que passaram a realidade para a ficção).

As memórias reprimidas vão surgindo desde o primeiro episódio, primeiro soltas e descontextualizadas - adensando a curiosidade do espectador -, depois, cada vez mais claras. As recordações traumáticas são desenterradas e a confrontação causa pânico e ansiedade. O álcool e as drogas foram um escape à realidade dolorosa vivida - mesmo que temporariamente esquecida. A apresentação do passado, em jeito de vídeo caseiro, é uma opção sensata, que demarca bem o hiato temporal entre a infância e vida adulta.

A introdução da personagem Dinah, uma espécie de espelho feminino dos sentimentos e descontrolo que percorrem a mente de Joseph, dá um novo fulgor narrativo a The Virtues. Dinah e Joseph, cada um à sua maneira, têm contas a ajustar com o passado. Compreendem-se e apoiam-se mutuamente. A partir de certo momento, acompanhamos a minissérie a partir de uma dualidade de perspectivas e de atitudes - dois traumas que determinaram dois destinos; duas formas de confrontação e de justiça.

A entrega de Stephen Graham à personagem principal é completa, num registo que varia entre a desolação, o descontrolo, a coragem e o horror. A mágoa que o seu rosto espelha é tão real como admirável.

Se o primeiro episódio atrai a curiosidade e interesse do espectador, o último é um crescendo de tensão, confronto e coragem, que vem encerrar com êxito o drama de The Virtues. As feridas do passado de Joseph podem nunca sarar mas foram elas que o conduziram de volta à Irlanda, e o fizeram reencontrar a irmã e a si mesmo, numa jornada de autoconhecimento, reconciliação e luta para fazer justiça.

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