terça-feira, 30 de março de 2021

Crítica: Nomadland - Sobreviver na América (2020)

"We be the bitches of the badlands."

Fern

*8/10*

Chloé Zhao criou um road movie melancólico e realista, que convida à introspecção, enquanto viajamos estrada fora pelas planícies sem fim do Oeste dos EUA. Eis Nomadland - Sobreviver na América, protagonizado por Frances McDormand e um elenco de não actores, verdadeiros nómadas.

"Após o colapso económico de uma cidade empresarial na zona rural de Nevada, Fern (Frances McDormand) prepara a sua carrinha e parte pela estrada explorando uma vida fora da sociedade convencional, como uma nómada moderna." 

O filme baseia-se no livro de não ficção Nomadland: Surviving America in the Twenty-First Century, de Jessica Bruder, e mostra esta nova forma de vida, potenciada pela crise de 2008, que tantas pessoas adoptaram depois de ficar sem os seus bens. A bordo de uma carrinha ou autocaravana, todos procuram trabalhos sazonais, liberdade e a estabilidade possível. A quase totalidade de elenco não profissional torna tudo muito mais autêntico. Estamos perante verdadeiros nómadas e as suas experiências conferem a Nomadland um tom, parcialmente, documental.

Para além da crítica socio-político (que começa desde logo pela cidade operária, Empire, que desapareceu do mapa assim que a empresa empregadora fechou a fábrica no local), Chloé Zhao apela ao autoconhecimento, com uma longa-metragem solitária e desencantada, tal como a sua protagonista, mas sempre esperançosa num reencontro consigo mesma, estrada fora. A relação dos humanos com a perda é também um dos grandes motores do filme, numa reflexão das personagens que se estende à plateia. Os traumas demoram a superar e a circularidade temporal do filme é exemplificativa disso mesmo.

Sempre a reinventar-se, Frances McDormand tem um desempenho sóbrio e realista, na pele desta mulher nómada por natureza, independente e corajosa, que viaja pelo país à medida que as estações do ano passam e para onde o trabalho surja. Incapaz de criar raízes, estabelece laços com quem quer que se cruze, mas segue caminho, deixando em aberto potenciais - e quase certos - reencontros. Fern só se sente livre e feliz dentro da sua carrinha; ela não quer amarras, luta contra os sentimentos e, muitas vezes, foge como uma adolescente.

A harmonia entre Homem e Natureza e a sua ideia de paz e quase divindade enchem o ecrã. As árvores, os animais, as planícies e desertos até perder de vista, as montanhas, a neve, os rios, a terra, as ondas, a liberdade e a vida que transmitem são captadas com a grandiosidade que merecem, tirando partido da luz, da profundidade e do detalhe, num excelente trabalho da direcção de fotografia de Joshua James Richards. A banda sonora de Ludovico Einaudi adensa a aura melancólica mas igualmente a calma e tranquilidade que rodeiam a vida da protagonista.

Com Nomadland, Chloé Zhao eleva-se enquanto realizadora e partilha com o mundo a experiência de uma comunidade unida que, à margem da sociedade, conseguiu reerguer-se mesmo que da forma menos convencional.

Sem comentários: