segunda-feira, 19 de abril de 2021

Crítica: Undine (2020)

*8/10*

O tom trágico do cinema de Christian Petzold vem-se firmando em cada filme, alcançando uma aura mitológica e mágica no mais recente Undine. A dualidade de significados paira desde o início, num filme desafiante e encantador.

«"Se me abandonares, vou ter de te matar", diz a protagonista ao homem por quem está apaixonada quando eles se separam no café da esquina. Mergulhando no reino subtil do sobrenatural, Christian Petzold re-imagina a figura mitológica da ninfa aquática, Ondina. Aqui, Undine é uma historiadora que trabalha no departamento de desenvolvimento urbanístico da cidade de Berlim. Reescrevendo o mito, o filme apresenta uma reflexão sobre a relação entre realidade e ilusão.»

Depois da trilogia composta por Bárbara (2012), Phoenix (2014) e Em Trânsito (2018), com foco na História da Alemanha, antes da queda do muro de Berlim, Petzold transporta-nos agora para os tempos actuais. Em Undine, a História da cidade deixa de ser personagem principal mas mantém-se presente, desta vez na profissão da protagonista, historiadora que dá palestras sobre o desenvolvimento urbano da capital.

A narrativa vive rodeada pela cidade, mas também pelo rio. A água é um elemento central na longa-metragem: Undine tem uma atracção especial por ela; e a água uma predilecção imensa por Undine, não tivesse o nome da sua ninfa. Christian Petzold cria uma nova versão cinematográfica do mito, através da história de uma mulher de comportamento estranho e possessivo que se transforma ao conhecer Christoph, um mergulhador. O romance é simples, rápido e intenso. Os sentimentos são arrebatadores, para o bem ou para o mal.

Se romances trágicos são com PetzoldUndine junta-lhe o elemento fantástico, numa linha ténue entre lendas e coincidências, sonhos ou realidade. A ambiguidade é uma presença assídua neste conto de fadas sombrio. E entre um misto de emoções e incertezas, há pequenos pormenores que dão encanto ou parecem premonição. 

Paula Beer e Franz Rogowski voltam a fazer par romântico depois de protagonizarem Em Trânsito, e a química dos dois no ecrã tem o efeito mágico que caracteriza Undine. Enquanto Beer consegue passar do comportamento algo psicótico inicial, com gestos nervosos e ar absorto, para uma mulher mais humanizada e apaixonada; Rogowski é um homem curioso, protector e dedicado.

Seja a ninfa aquática a mergulhar no verdadeiro amor ou a natureza humana a revelar-se, Undine é um trabalho inspirado de Christian Petzold, que poderá não ser fácil de assimilar, mas onde o realizador reafirma e continua a trilhar um caminho de muita personalidade.

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