"Paris. They don't even speak English there."
Anthony
*8.5/10*
A delicadeza perturbadora de O Pai (The Father), estreia de Florian Zeller nas longas-metragens, faz-nos imergir na vida de um homem com demência, de um ponto de vista inesperado. O dramaturgo adaptou a sua peça ao cinema, com a colaboração de Christopher Hampton, numa experiência desconcertante.
"Anthony (Anthony Hopkins) tem 81 anos e mora sozinho no seu apartamento em Londres, rejeitando todas as enfermeiras que a sua filha Anne (Olivia Colman) tenta impor-lhe. Porém, esse apoio torna-se cada vez mais urgente para ela, pois vai deixar de poder visitá-lo todos os dias - decidiu mudar-se para Paris para viver com um homem que acabou de conhecer... Mas se isso é verdade, quem é o estranho que irrompe pela sala de Anthony, afirmando ser casado com Anne há mais de dez anos? E porque diz tão convictamente que estão na casa do casal e não no apartamento de Anthony? E ela não tinha decidido ir viver para Paris? Estará Anthony a perder o juízo? Parece que o mundo, por instantes, deixou de ter lógica."
O Pai aborda uma história simples e realista de envelhecimento e perda - de faculdades, de memórias, de laços... -, mas igualmente de dedicação e mágoa de uma filha. Zeller cria um drama desolador, pincelado por momentos de humor requintado, porque na tristeza também se encontram alguns sorrisos e amparo.
A fragilidade do ser humano, a desconfiança constante e a confusão de memórias que o cérebro atraiçoa são os elementos que nos fazem entrar na cabeça de Anthony e compreender a sua perspectiva, de uma forma que ninguém à sua volta é capaz. Vamos ganhar-lhe afeição, compreensão e também partilharemos com ele o desespero e o medo. Percorremos corredores e salas que tão bem conhece (mas duvida), desfrutaremos da música que o acompanha ou da vista da janela do seu quarto, mas seremos igualmente testemunhas fiéis do desnorte que o rodeia.
Para além da subtileza e inteligência do argumento, o trabalho de montagem de Yorgos Lamprinos é o verdadeiro potenciador da singularidade e da partilha da experiência para o outro lado do ecrã. São poucos os filmes que nos envolvem tão activamente numa narrativa fragmentada e nos inquietam tão sagazmente.
Anthony Hopkins é soberbo na pele deste protagonista com quem partilha o nome e data de nascimento. O golpe que sente na sua independência provoca-lhe revolta e desconfiança. A memória atraiçoa-o, os rostos e locais deixam momentaneamente de ser familiares, o desespero e as frases repetidas evidenciam a fragilidade da sua condição. Se, por um lado, ele não admite (nem compreende) a sua fraqueza, por outro, a rispidez é a melhor arma que encontra para se defender. Ao lado do veterano, Olivia Colman incorpora o rosto exausto da filha incansável e dedicada, que vê desaparecer, aos poucos, a existência do homem que a criou. A actriz tem uma interpretação contida e comovente, num esforço contínuo pelo bem estar do pai.
Florian Zeller faz-nos reflectir na incapacidade humana para controlar o destino ou reverter o envelhecimento, bem como sobre a necessidade de empatia, respeito e compreensão pelo próximo. O Pai é cruel na realidade que retrata, mas é igualmente humanizador na forma como o faz.
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