quarta-feira, 12 de maio de 2021

Crítica: Saint Maud (2019)

"Never waste your pain"

Maud

*8/10*

Saint Maud é a estreia da realizadora Rose Glass nas longas-metragens e deixa marca no cinema de terror actual. O filme junta-se assim a uma nova vaga de terror psicológico e fanatismo religioso que tem emergido nos últimos anos em títulos como The Witch, Midsommar, Sempre o Diabo, ou até mesmo o drama Estações da Cruz.

"A enfermeira Maud é encarregue de cuidar de Amanda, uma bailarina famosa fragilizada pela doença e confinada na sua mansão isolada. Amanda sente-se intrigada pela religiosidade da jovem enfermeira, mas Maud não é aquilo que aparenta. É atormentada por um violento segredo do seu passado e por mensagens extáticas que ela acredita virem directamente de Deus. À medida que a sua noção do real se desfaz, os cuidados de Maud convertem-se numa missão mortífera para salvar a alma de Amanda, custe o que custar."

A santificação da protagonista - presente, desde logo, no título - é um processo contínuo mas ambíguo, a resvalar constantemente para a sua demonização. No fundo, Saint Maud é o registo de uma jornada pela e para a loucura, sendo a religião uma aparente salvação - para o trauma de Maud e para a alma de Amanda, que a protagonista acredita estar perdida -; todavia, na realidade é uma perigosa e doentia obsessão. O filme coloca-nos sob o ponto de vista da protagonista, todavia, a aproximação não nos torna mais empáticos ou compreensivos, deixa-nos, pelo contrário, mais temerosos e aterrados. 

O mistério revela-se aos poucos, sem nunca abrir o jogo, mas dando as pistas necessárias para reconstruir o passado de Maud. A aparente devoção e ingenuidade da jovem enfermeira cedo se desfazem aos olhos do espectador, perante a forte tendência para a autoflagelação e alucinações. As visões, a distorção da realidade - e das leis da física -, a voz e presença de Deus que diz sentir, a estranha relação com sexualidade (sua e dos que a rodeiam) constroem uma protagonista complexa e sinistra. Morfydd Clark incorpora sem hesitações esta dualidade, entre o angelical e o demoníaco, numa performance tão física como psicologicamente exigente.

Rose Glass desafia-nos com um argumento simples, cuja narrativa ganha grandiosidade graças à imagem, com a fotografia perturbadora de Ben Fordesman, onde luz e sombra são personagens principais; e à banda sonora intrusiva de Adam Janota Bzowski - eis o ambiente perfeito para o filme de terror moderno com aura intemporal.

Saint Maud leva-nos a mergulhar numa mente perturbada, e lança uma nova abordagem sobre o inferno do fanatismo religioso. Uma estreia que traz bom augúrio.

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