Começamos a análise às curtas-metragens da Competição Nacional do Curtas Vila do Conde 2021. A Casa do Norte, de Inês Lima; Armazónia, de Francisco Moura Relvas; Carta Branca, de António-Pedro; Cassandra Bitter Tongue, de Ana Moreira; e Se O Que Oiço é Silêncio, de Rosa Vale Cardoso, são os filmes em destaque neste primeiro artigo.
A CASA DO NORTE, Inês Lima · Portugal · 2021 · DOC/EXP · 9’
"Uma casa em Geraz do Lima, no concelho de Viana do Castelo, conta a história de uma família portuguesa na segunda metade do século XX. Os seus espaços interiores e exteriores, com os animais e plantas, guardam memórias de vivências individuais e coletivas, umas nostálgicas, outras traumáticas."
As histórias de uma família e da sua casa no norte de Portugal são-nos contadas por escrito, enquanto a sonoridade que nos guia é a da flauta, que acompanha a narrativa. As composições visuais, com flores e periquitos, levam-nos para outro universo criativo, filmado em película. Original e um tanto poético, Inês Lima leva-nos numa viagem no tempo e nos espaços através de A Casa do Norte.
ARMAZÓNIA, Francisco Moura Relvas · Portugal/ · 2021 · FIC/ · 11’
"Uma floresta e um curso de água numa paisagem aérea, seguida de planos de aves tropicais e vegetação, insinuam que estamos no centro da floresta amazónica. A passagem de um avião sugere a ameaça do mundo civilizado para os habitantes que aí vivem em completa comunhão com a natureza. E não é para menos: os seus tripulantes vêm com uma missão com obscuros propósitos de destruição da floresta ao serviço de interesses sombrios."
Esta viagem à Amazónia e aos perigos que o ambiente enfrenta é particularmente irónica em toda a sua construção: desde a dobragem dos actores, ao retrato machista dos pilotos e ao karma que os persegue. A crítica ao Governo de Bolsonaro é evidente e Armazónia quer fazer justiça. De elogiar todo o esforço de cenografia para criar esta mini floresta cinematográfica.
CARTA BRANCA, António-Pedro · Portugal · 2021 · DOC · 24’
Carta Branca resulta de "uma encomenda do município de Alcanena, no Ribatejo, uma carta-branca, supostamente conveniente à promoção da terra e da região, e a uma vila ali ao lado chamada Minde, que resulta numa obra cinematográfica bastante original, fugindo completamente ao expectável filme institucional. Na verdade, a proposta até seria aliciante, e mantida enquanto tal, se não fosse ter surgido, por mero acaso, uma personagem absolutamente irredutível: Cid Manata."
Qual a melhor forma de apresentar uma terra, que não seja conhecer os seus habitantes, o seu povo e, porque não dar-lhes a eles a "carta branca"? A curta-metragem de António-Pedro é uma deliciosa viagem a Minde através das histórias e sugestões dos seus habitantes, com quem o realizador se foi cruzando nesta jornada cinematográfica.
Fala-se da liberdade, enquanto se vive o início das restrições da pandemia; recorda-se o 25 de Abril; apresenta-se a indústria e os artistas locais, entre fotografias, aguarelas e planos de câmara. Empreende-se um western ou um filme de ficção científica, mas é o documentário que vinga, com a alegria e a simplicidade dos populares, a relação de proximidade com o realizador, a beleza dos animais - nem os morcegos faltam - e das paisagens, e filmando em película, demarca-se ainda para o ecrã as texturas que tanto animam o realizador.
CASSANDRA BITTER TONGUE, Ana Moreira · Portugal · 2021 · FIC/EXP · 20’
"Na épica homérica, Cassandra é uma personagem da mitologia grega intrinsecamente trágica, amaldiçoada com o dom da profecia, mas desacreditada e considerada louca. Em Cassandra bitter tongue, a protagonista é uma académica em trabalho de campo como 'sex cam girl', desenvolvendo um trabalho empírico sobre cinismo, masturbação, sexualidade e amor. "
Ousado e extremamente teatral, Cassandra Bitter Tongue é uma experiência visual e teórica, conduzida por uma interpretação entusiasta de Íris Cayatte, envolta em tons néon. Ana Moreira recorre à multiplicidade de ecrãs para explorar a temática da sexualidade e do prazer, numa curta-metragem dividida em duas partes: o "trabalho de campo" e a defesa final da tese.
KI AN AFTO POU AKUO INE I SCHIOPI (SE O QUE OIÇO É SILÊNCIO), Rosa Vale Cardoso · Portugal/Grécia · 2020 · FIC · 22’
"Numa ilha grega, Nina viaja de carro com a mãe e o seu amigo Spiro até à casa dos avós, para uma reunião familiar. Ao longo da viagem, o silêncio entre filha e mãe denuncia um mal-estar e um distanciamento emocional que Spiro tenta atenuar com algumas brincadeiras e momentos de descompressão. Aos poucos, à medida que visitam lugares onde já tinham sido felizes antes, mãe e filha vão-se aproximando gradualmente. "
Se O Que Oiço é Silêncio, de Rosa Vale Cardoso, é uma conversa de olhares e sorrisos tímidos, entre encantadoras paisagens gregas. O ressentimento e ambiente pesado inicial dissipa-se no passar das horas, com a partilha dos mesmos espaços ou com o simples acto de observar e ser-se observado. O amigo Spiro é quem mais fala e o único capaz de desconstruir a tensão entre mãe e filha, mesmo sem se aperceber. Por muita que seja a importância das palavras, por vezes, devemos estar atentos ao tanto que nos dizem os silêncios.
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