sexta-feira, 23 de julho de 2021

Curtas Vila do Conde 2021: Competição Nacional em análise (Parte III)

Continuamos a análise às curtas-metragens da Competição Nacional do Curtas Vila do Conde 2021. Olhamos agora para Matilde Olha Para Trás, de Ana Mariz, Timkat, de Ico Costa, Miraflores, de Rodrigo Braz Teixeira, e O Teu Nome É, de Paulo Patrício.

MATILDE OLHA PARA TRÁS, Ana Mariz · Portugal · 2021 · FIC · 21’

"Matilde é uma criança que brinca numa propriedade agrícola, imaginando estar noutro espaço. No mundo dela, tudo é perfeito como no cinema, e é por isso é que ela se maquilha, pinta as unhas e veste roupas excêntricas para brincar. Também tem um comando imaginário que desativa as armadilhas que surgem como obstáculos. Na quinta vivem também a sua prima, a sua mãe e a sua avó. Matilde sente-se sozinha e perdida, sem companhia para brincar, uma vez que os adultos têm de lidar com outras preocupações. Matilde não os compreende, nem aos seus problemas."

Tão à vontade em frente à câmara e tão dedicada à sua personagem, a pequena Matilde simboliza os sonhos e criatividade da infância. Uma exploradora nata, com pouca ou nenhuma companhia nas suas aventuras, Matilde procura encontrar alguma diversão em cada recanto da quinta. Se a mãe pode ser, por vezes, companheira de brincadeira, certo é que na maior parte do tempo Matilde está sozinha.

Matilde olha para trás é também um retrato desta solidão na infância, e de algum desapego que as adultas em seu redor parecem demonstrar. Os olhos tristes e desconfiados da protagonista pedem um pouco mais de compreensão e de tempo para brincar, sem que cada aventura no meio da Natureza tenha de parecer assustadora - porque o comando imaginário não desactiva todas as armadilhas, nem cura todas as falhas.


TIMKAT, Ico Costa · Portugal · 2021 · DOC · 13’


"Reza a lenda que, na Idade Média, vivia no meio de uma África islamizada um soberano cristão de nome Preste João. Nos dias de hoje, na turística Gondar, a cidade grandiosa que foi capital do império etíope durante o século XVI, continua-se a celebrar o Timkat (ou Epifania), nome de uma festa onde se comemora o baptismo de Jesus Cristo no rio Jordão, ritual destinado a purificar e salvar o homem do pecado original. A partir desse episódio bíblico, o baptismo passou a ser entendido como um ritual identitário de iniciação ao cristianismo e como condição primeira para que os seus seguidores possam entrar no reino dos céus e salvar as suas almas."

Ico Costa leva-nos numa viagem à tradição cristã da cidade de Gondar e às celebrações do Timkat. A multidão, vestida maioritariamente de branco, faz a festas pelas ruas, canta, dança e desfila, até ao local do baptismo. 

O realizador filma os rituais em super 8mm, devoto que é ele próprio da película. Com o passar dos séculos, o Timkat passou a ser muito mais para além de uma celebração religiosa: é também símbolo de liberdade e independência. A curta-metragem homónima documenta a alegria e devoção dos festejos, através de gestos, palavras e rostos.

MIRAFLORES, Rodrigo Braz Teixeira · Portugal · 2021 · FIC · 18’

"A partir de um dos subúrbios mais populosos da área metropolitana de Lisboa, Miraflores encena uma divertida comédia de adolescentes, absorvendo os pequenos tumultos destes jovens e das suas poéticas da vida. "

Parcialmente em jeito de falso documentário - que conta sua "história" e apresenta quem por lá vive e trabalha -, Miraflores é um filme sobre um bairro e os seus jovens. Eles que passam os dias entre os locais mais icónicos da freguesia - as rotundas, os prédios altos, a piscina abandonada, a igreja desconcertante -, divertem-se e vivem as primeiras paixões. A cena final da curta-metragem de Rodrigo Braz Teixeira, sem dúvida o momento mais poético do filme, pode ser uma espécie de declaração de amor a uma pessoa, mas igualmente ao cenário dessa paixão.


O TEU NOME É, Paulo Patrício · Portugal/Bélgica · 2021 · DOC/ANI · 24’

"Em 2006, o Porto e o país chocaram-se com a história de Gisberta Salce Jr., transexual brasileira, seropositiva, toxicodependente e sem-abrigo que foi violentamente torturada durante vários dias por um grupo de 14 adolescentes acabando por morrer. Este documentário animado recolhe testemunhos de amigas de Gisberta e de dois dos envolvidos no caso, apresentando diferentes perspectivas sobre o que aconteceu nesses dias de má memória". 

O Meu Nome É é um documentário que recupera a história de Gisberta, através de palavras das suas amigas e de dois dos envolvidos no caso. A sensibilidade e detalhe da animação a preto e branco, que dá corpo e espaço àquelas cinco vozes, cria um ambiente de reflexão e análise dos acontecimentos, tantos anos passados. 

Paulo Patrício é capaz de escutar e dar a ouvir pontos de vista distintos mas sinceros, ao mesmo tempo que nos coloca questões sobre a discriminação sexual, de género e a transfobia, que ainda se sente actualmente na sociedade. Um trabalho tocante e envolvente.

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