quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Crítica: Benedetta (2021)

*7/10*

O erotismo do cinema de Paul Verhoeven é indissociável de cada novo filme, mais ainda quando a religião está no centro do argumento - o caso do mais recente Benedetta. Polémico como se quer, a longa-metragem mexe com as sensibilidades da Igreja, mas também com o lugar das mulheres na sociedade, ao longo dos séculos.

Verhoeven baseia-se no livro Immodest Acts: The Life of a Lesbian Nun in Renaissance Italy, de Judith C. Brown, que por sua vez é inspirado numa história real, e cria Benedetta, com a colaboração de David Birke no argumento.

No final do século XVII, em Itália, Benedetta traça o retrato de uma freira católica que tem visões religiosas e eróticas perturbadoras. Desde muito nova que Benedetta Carlini (Virginie Efira) demonstra ter um dom, e ao entrar para um convento, em Pescia, essa capacidade torna-se mais evidente. Os anos passam e quando Bartolomea (Daphne Patakia) pede abrigo e proteção no convento, as duas mulheres tornam próximas e cresce entre elas uma atracção que vem abalar e Igreja e a sociedade.

Paul Verhoeven filma a sensualidade, mas também a violência, como poucos. Em Benedetta, como em grande parte das suas obras, as duas parecem inseparáveis. O assombro do pecado e das tentações de Cristo reflectem-se nos sonhos e visões da protagonista, ao mesmo tempo que descobre o corpo feminino (o seu e o das outras mulheres com quem partilha o tecto) e a paixão, para além da religião.

Benedetta percorre todo o filme como uma personagem dúbia, causando desconfiança em todos os que a rodeiam, mas também a plateia. Entre os que crêem nos dons que a freira descreve e exibe; são também muitos os que a vêem como uma falsa. A adoração que desenvolve por si mesma e a vontade de estar no centro das atenções em muito contribuem para essa suspeita.

Social e politicamente, o convento era o escape para todo o tipo de mulheres, com os mais difíceis passados. E entre as devotas plenas, encontram-se também as descrentes, mas que criaram no convento a sua vida e família. Num filme quase totalmente dominado por personagens femininas, são contudo os homens que detém o poder instituído, sejam os párocos ou o núncio apostólico - representante da Santa Sé -, e são também eles os que menos vocação e valores demonstram ter para os cargos que ocupam.

Entre o talento e entrega das actrizes, em especial Virginie Efira, Charlotte Rampling e Daphne Patakia, e a destreza ao filmar a trama, como só o realizador sabe, Benedetta balança entre o erotismo e a sensualidade; o sonho e a realidade, e sempre numa tensão latente entre personagens, sentimentos e acções.

Verhoeven cria uma ardente e provadora viagem à Idade Média e aos segredos que as portas de um convento guardam, numa época em que o mundo se debatia contra a peste negra, e todas as preces apelavam à protecção divina.

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