quarta-feira, 15 de junho de 2022

Crítica: Revolta (2022)

"Eu achava que a minha vida era uma desgraça. Ainda bem que vim a este jantar."

João

*7.5/10*

Com uma longa carreira enquanto argumentista, Tiago R. Santos apresenta Revolta, a sua primeira longa-metragem como realizador, e o resultado é desafiador. 

São apenas quatro actores dentro de uma casa, durante um jantar que não o chega bem a ser, assombrado pela pandemia, pelos filmes de John Carpenter, pelas redes sociais e por uma revolução nas ruas de Lisboa. Um filme minimalista e claustrofóbico, tal qual a época em que foi filmado.

"Em consequência da pandemia e da crise económica há uma revolta generalizada nas principais cidades do país e Paulo e Cristina, um casal de classe média alta com um filho recém-nascido, só não se juntam à indignação popular porque combinaram, nessa mesma noite, organizar um jantar para dois amigos: João, a atravessar um processo de divórcio que o mergulha numa estranha depressão; e Raquel, amiga de infância de Cristina que passou os últimos anos a atravessar o planeta numa viagem de autodescoberta. É uma noite onde, enquanto o mundo muda lá fora, as pessoas se revelam cá dentro, neste apartamento onde o confronto entre o real e o virtual revela as mais terríveis verdades."

Em 2016, na curta Vícios Para Uma Família Feliz, Tiago R. Santos já fazia desvendar um especial talento de  para contar as suas próprias histórias: com poucos actores, em espaços fechados e com o álcool como melhor companhia (na curta, uma garrafa de vodka; na longa, muitos copos de um bom vinho). Para lá destas coincidências entre os dois projectos cinematográficos, o texto do realizador e argumentista ganha uma dimensão muito mais íntima e envolvente quando é ele quem toma as rédeas do texto e da câmara.

Revolta começa por ser um jogo de aparências: um casal feliz, um amigo divorciado que encontrou a paz interior, e uma amiga livre e viajada. Só que não. Com o passar dos minutos, questiona-se onde acontece a maior revolução - fora ou dentro daquela casa de classe média-alta. O jogo muda e transforma-se numa espécie de peça de teatro da vida real - ou virtual.

Todo o argumento de Revolta assenta na crítica mordaz à felicidade das publicações do Instagram, em contraste com as amargas desilusões e depressões das pessoas reais. A dificuldade de relacionamento interpessoal, cara a cara, potenciado pelas redes sociais e adensado, mais ainda, pelas restrições pandémicas, resulta em momentos caricatos (sem faltar a máscara ou o álcool gel), mas também em discussões tensas. Do embaraço, às mais inusitadas histórias ou declamações sensuais, a revolução e o medo, dentro de casa, vão tomando conta das quatro personagens, que se desafiam e provocam.

Revolta é um filme que vive essencialmente do texto e dos actores e lembra, em grande parte, o teatro (inevitáveis serão algumas comparações com Quem Tem Medo de Virgina Woolf?). Há um crescendo de tensão, revelações inesperadas e toda a acção acontece num único tempo e espaço.

A química entre Teresa Tavares e Margarida Vila-Nova no grande ecrã supera expectativas. Elas encarnam Cristina e Raquel, duas mulheres tão diferentes e distantes que, ao longo daquela noite, mudam e criam uma relação íntima. E se as mulheres dominam a tela, Ricardo Pereira e Cristóvão Campos, Paulo e João, seguem-nas de perto, por vezes meros espectadores da contracena de Cristina e Raquel, outras vezes, eles próprios o centro da acção.

Tiago R. Santos tem uma estreia auspiciosa, usando as palavras como motor da acção e da Revolta, numa noite que muda as vidas egoístas e enclausuradas dos protagonistas, enquanto as ruas pegam fogo.

Sem comentários: