quinta-feira, 2 de março de 2023

Crítica: Os Espíritos de Inisherin / The Banshees of Inisherin (2022)

"I am not putting me donkey outside when I'm sad, okay?"

Pádraic Súilleabháin

*8/10*

Partindo de uma zanga entre dois amigos, Martin McDonagh faz uma reflexão sobre a existência em Os Espíritos de Inisherin. Uma comédia dramática, com um leve toque de nonsense, muito mais profunda do que possa parecer. 

"Passado nos anos de 1920, numa ilha remota ao largo da costa ocidental da Irlanda, Os Espíritos de Inisherin acompanha dois amigos de longa data, Pádraic (Colin Farrell) e Colm (Brendan Gleeson), a partir do momento em que Colm põe inesperadamente fim à amizade. Um Pádraic atordoado, tenta reparar a relação com o auxílio da irmã, Siobhán (Kerry Condon), e do jovem Dominic (Barry Keoghan). Mas os esforços repetidos de Pádraic apenas reforçam a determinação do seu antigo amigo e quando Colm lança um desesperado ultimato, os acontecimentos depressa assumem maior gravidade com alarmantes consequências."

Com a Guerra Civil ao longe, na ilha ao lado, na pacata Inisherin instala-se um conflito de sentimentos entre dois grandes amigos - que subitamente o deixaram de ser. Na sua ingenuidade, Pádraic insiste em manter os laços com Colm, apesar deste parecer irredutível. Se, por um lado, os dois estão cada vez mais distantes, Pádraic começa a mudar a sua perspectiva pacifista e positiva da vida, enquanto trava amizade com o tolo da aldeia, Dominic - o mais puro e bondoso dos aldeões -, e ao mesmo tempo que a sua irmã Siobhán está decidida a mudar de vida. Ela ambiciona algo mais do que o quotidiano desinteressante que levam em Inisherin - terra solitária, bucólica e ociosa, onde pouco mais há para fazer do que levar os animais a pastar ou beber um copo no pub local. 

Na sua rotina solitária e desinteressante agora abalada, Pádraic apercebe-se de como a maldade e a depressão habitam aquela ilha onde poucos são os que se comportam com alguma normalidade. Os actos tresloucados de Colm, apesar da aparente clareza de pensamentos e ideias, são um contrassenso que se repete ao longo da acção e torna Os Espíritos de Inisherin tão singular. Há uma alegria triste e uma solidão que os animais - em especial a burra Jenny ou o cão Sammy - ajudam a amenizar. Por toda a ilha, há traumas e abusos que explicam personalidades e acções. E a acompanhar o fado de cada um, há um coro trágico pelos caminhos de Inisherin, qual bruxa de Macbeth.

Para além de uma profundidade emocional, Os Espíritos de Inisherin é um filme de grandes interpretações: Colin Farrell, Barry Keoghan, Brendan Gleeson, Kerry Condon e Gary Lydon são essenciais para a longa-metragem.

Martin McDonagh cria uma tragicomédia onde o nonsense paira mas nunca se instala por completo. As personagens suplicam por ajuda sem nunca o dizer por palavras e apenas a irmã do protagonista persegue o sonho de uma vida melhor.

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