sexta-feira, 28 de abril de 2023

Crítica: Saint Omer (2022)

*7.5/10*

Em Saint Omer, Alice Diop recria um julgamento e filma os contraditórios sentimentos de compaixão, dúvida e humanidade, perante alguém que cometeu um crime hediondo. 

"Tribunal de Justiça de Saint Omer. A jovem romancista Rama (Kayije Kagame) assiste ao julgamento de Laurence Coly (Guslagie Malanda), uma jovem acusada de matar sua filha de 15 meses ao abandoná-la à maré alta numa praia no norte da França. Mas, à medida que o julgamento avança, as palavras da acusada e os depoimentos das testemunhas abalarão as convicções de Rama e questionarão o nosso próprio julgamento."

Saint Omer inspira-se no caso verídico do julgamento, a que a realizadora assistiu, em 2016, de Fabienne Kabou, uma imigrante senegalesa em França, acusada de matar a sua filha bebé. Na ficção, Rama pretende inspirar-se para um novo romance, adaptando aos tempos modernos o mito de Medeia. Contudo, no decorrer do julgamento, parece rever-se em algumas das vivências de Coly e o resultado poderá não ser tão semelhante ao da tragédia grega.

Alice Diop cria um filme sobre relações, com grande foco na maternidade - Rama está grávida, Coly não soube lidar com o nascimento de uma criança - e na relação entre mães e filhas. Ao mesmo tempo, toca nos problemas da imigração para quem chega a França - as duas mulheres em foco são imigrantes senegalesas -, a integração, o sentimento de pertença e as relações que se estabelecem (ou não) no novo país ou que se mantêm com a cultura do país de origem. 

Mas Saint Omer é também sobre aceitação e saúde mental, sobre desamparo, numa história onde o bem e o mal, o certo e o errado, se confundem, separados por uma linha muito ténue. A plateia será o júri e é para ela que a advogada de defesa de Coly faz as alegações finais, olhos nos olhos com a câmara, perto do final da longa-metragem.

A interpretação de Guslagie Malanda é arrebatadora, numa verdadeira convicção daquilo que defende em torno da sua inocência - sob o seu ponto de vista -, num relato das suas vivências e crenças. Tudo num tom tão frio como sincero - uma dualidade intensa e incómoda.

Habituada ao género documental, a estreia de Diop na ficção traz um realismo que lhe é intrínseco, e sentimentos paradoxais: identificação, compreensão e condenação.

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