sábado, 30 de dezembro de 2023

Crítica: Assassinos da Lua das Flores / Killers of the Flower Moon (2023)

"I don't know what you said, but it must've been Indian for 'handsome devil'."

Ernest Burkhart

*8/10*

Martin Scorsese juntou dois dos seus actores de eleição - Leonardo DiCaprio e Robert De Niro - e adaptou ao cinema o livro homónimo Assassinos da Lua das Flores, de David Grann, baseado em acontecimentos reais.

Eis Scorsese puro e duro, a pisar território índio - com respeito e humildade -, mas sempre com uma máfia de homens brancos a explorar terrenos e narrativa. 

"Durante os anos de 1920, nas terras ricas em petróleo da Nação Osage, no estado norte-americano do Oklahoma, dezenas de assassinatos em circunstâncias misteriosas desencadeiam uma operação em grande escala por parte do recém-formado FBI". Assassinos da Lua das Flores parte da história real, narrada através do invulgar romance de Ernest Burkhart (Leonardo DiCaprio) com a indígena Mollie Kyle (Lily Gladstone), que se envolve na conspiração do poderoso fazendeiro William Hale (Robert De Niro), admirado por brancos e indígenas e capaz de tudo por petróleo.

O amor e a cobardia andam de mãos dadas na construção da personagem de DiCaprio (algo diferente dos seus papéis mais recentes): um homem apaixonado, mas de fraco carácter e sem personalidade. Reinará sempre a dúvida na plateia: Será ele um ignorante que não sabe distinguir o bem do mal; um cobarde cheio de traumas que tem tanto medo de perder a mulher da sua vida como a protecção do seu tio; ou um traumatizado de guerra sem discernimento? 

Deambulando entre o western e o thriller, a longa-metragem dá destaque ao trabalho dos actores. Para além de DiCaprio, Robert DeNiro, eterno colaborador de Scorsese e sempre à altura dos desafios, é William Hale, homem poderoso, manipulador e sem escrúpulos, que se acha acima de todas as leis. Jesse Plemons é o agente do FBI Tom White, símbolo da justiça que tardava em chegar ao território Osage, e sinónimo de alguma esperança para o povo índio. Mas é para a personagem feminina, Mollie Kyle, interpretada pela actriz indígena Lily Gladstone, que todas as atenções se viram. Uma mulher independente (apesar das limitações impostas pelos homens brancos), cuja vida é marcada pela paixão e tragédia, sendo que a primeira virá a contribuir, em muito, para a segunda. Um papel entre a contenção, a desconfiança e o desalento, capaz de tocar a plateia como poucos.

A revolta é crescente em Assassinos da Lua das Flores, quer junto da plateia, como da comunidade índia na longa-metragem. As atrocidades vão surgindo em crescendo, com a violência e crueldade que o realizador sempre soube bem filmar. A par dos horrores retratados, o racismo e a falta de carácter dos homens brancos e poderosos conseguem ser verdadeiramente chocantes.

Assassinos da Lua das Flores é uma obra opressiva, que clama por justiça, fazendo ressurgir um Martin Scorsese fiel às suas temáticas, mas aberto a novos horizontes narrativos. 

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