quarta-feira, 19 de junho de 2024

Crítica: Onde Está o Pessoa? (2023)

*7.5/10*

Numa analogia à colecção de livros Onde Está o Wally?, Leonor Areal cria o jogo cinematográfico Onde Está o Pessoa?, em que desafia a plateia a uma incessante busca pelo poeta português, no meio de uma imensa multidão que sai do Teatro República (actual São Luiz), em Lisboa, em 1913.

"No seu ensaio visual, Leonor Areal convoca o espectador a olhar em detalhe para um filme centenário e para as dezenas de pessoas que surgem à saída de um concerto, a maioria homens, de fato completo e chapéu, muitos com bigode. Entre eles, procura-se Fernando Pessoa."

Partindo do filme de 1913, Assistência no Teatro da República na festa do maestro Blanch, a realizadora leva a plateia numa viagem no tempo e no espaço. "A assistência sai do teatro e depara-se com uma câmara que os filma. Poucos conseguem ignorá-la. Mostrando atitudes díspares, alguns procuram destacar a sua presença, outros são mais fugidios". O espectador tem o ponto de vista da câmara e todos os que saem do teatro "olham" directamente para si. Há um confronto de olhares, e a realizadora analisa cada detalhe das imagens em movimento, seja em câmara lenta, seja recuando, repetidamente, para voltar a ver e a captar novos elementos. 

Detecta-se a estranheza de alguns, numa época em que ainda não era muito comum ver câmaras de filmar nas ruas, e o encanto de outros por saberem que estão a ser filmados. Encontram-se os tímidos, os rebeldes, os curiosos. E Leonor Areal começa a descobrir caras conhecidas, comparando-as com fotografias da época dessas figuras públicas.

Numa multidão tão homogénea, onde poucas são as mulheres e o chapéu e fato são o traje mais comum nos homens, não é fácil reconhecer alguém. Contudo, a análise detalhada de Onde Está o Pessoa? leva a alguns (re)encontros. Para além do Wally português - leia-se, Fernando Pessoa -, a realizadora identifica personalidades como Amadeo de Souza-Cardoso, António Ferro, António Silva, Augusto Ferreira Gomes, Eduardo Viana, Ernesto Vieira, Jorge Barradas ou Stuart Carvalhais, entre outras. 

Para além da narração da realizadora - de quem se denota um imenso trabalho de investigação -, ouvem-se descrições dos meios de comunicação da época sobre os espectáculos em cena, e excertos do diário de Fernando Pessoa, em datas próximas daquela em que as imagens foram gravadas.

Onde Está o Pessoa? é, principalmente, uma obra hipnótica e curiosa, um desafio de análise de cada olhar inquieto de quem passa ou pára em frente à câmara. E a dúvida ficar no ar: Será mesmo aquele o Pessoa?

Sem comentários: