sábado, 25 de janeiro de 2025

Crítica: O Brutalista / The Brutalist (2024)

"When dogs get sick, they often bite the hand of those who fed them, until someone mercifully puts them down."
Harrison Lee Van Buren

*8.5/10*

Os primeiros planos de O Brutalista, especialmente o que mostra a Estátua da Liberdade filmada de um ângulo incomum, são, desde logo, um alerta para a experiência opressiva que é o novo filme de Brady Corbet. Eis uma nova forma de filmar o Sonho Americano e como ele não é aquilo que se espera, agora num épico de quase quatro horas de duração - e com direito a um intervalo preparado e pensado pelo realizador.


László Tóth (Adrien Brody) é um arquiteto húngaro de raízes judaicas, que sobrevive ao Holocausto e chega aos Estados Unidos para começar uma nova vida, enquanto aguarda a chegada da mulher, Erzsébet (Felicity Jones), retida na Europa de Leste com a sobrinha, Zsófia (Raffey Cassidy), após a guerra. O que László encontra é uma América muito diferente daquela que esperava. A reputação como arquitecto de sucesso em Budapeste de nada vale na Pensilvânia industrializada. László e Erzsébet suportam a pobreza e a indignidade, mas o génio do arquitecto acaba reconhecido pelo industrial Harrison Lee Van Buren (Guy Pearce) que o encarrega de projectar um grande edifício modernista. Neste projecto, que será o mais ambicioso da carreira de Tóth, ele terá de equilibrar a sua visão intransigente e a influência do patrono.

Ao longo da primeira metade de O Brutalista, assistimos às tentativas de integração de Lázló na sua nova vida, inicialmente ajudado pelo primo, depois por ele descartado, o arquitecto cai na miséria e decadência até ao aparecimento da família de Harrison Lee Van Buren.

Se, por um lado, parece que finalmente alguém reconhece o seu trabalho de excelência na Hungria - que resistiu à guerra -, e o contrata para uma obra extremamente ambiciosa; por outro, há obsessões que começam a revelar-se, mesmo com a chegada há tanto esperada de Erzsébet.


Os anos passam e aumenta a obsessão desmedida pelo seu grandioso projecto nos Estados Unidos. Lázló torna-se intratável, os vícios quase o fazem sucumbir e torna-se difícil manter os amigos. O delírio aumenta à medida que o projecto não avança, como se os traumas do passado na Europa, transpostos para a sua obra-prima, voltassem para o assombrar, num sofrimento mudo que se exprime em revolta contra quem o rodeia.

No filme de Corbet, os poderosos são também os abusadores. Vêem em Lázló, mais do que um grande artista, um vagabundo, dependente da família Lee, apesar de todo o talento que já demonstrou ter dentro de si. E se é Harrison, o aristocrata que reconhece o seu trabalho e o contrata, tornando-se seu benfeitor, é notório o desequilíbrio que vai tomando conta da relação de aparente amizade que cria com Lázló. O protagonista é humilhado, abusado e explorado: é esta a demonstração de poder que Harrison faz questão de nunca deixar esquecer.

Em O Brutalista, Adrien Brody está quase ao nível da sua interpretação em O Pianista (2002), de Roman Polanski. Como Lázló, o actor mostra-se intenso e estrondoso, mesmo no mais enclausurado e mudo sentimento. Ele sofre sozinho e refugia-se no seu projecto e, posteriormente, na sua companheira de vida, Erzsébet. E é Felicity Jones quem lhe veste a pele, num desempenho pautado pelo sofrimento físico causado pela doença da personagem e a constatação da degradação física e psicológica do marido, que pretende defender, a todo o custo, e de quem não quer voltar a separar-se. Uma mulher aparentemente frágil mas muito determinada.

Já o benfeitor-vilão é interpretado por Guy Pierce, que está excelente nesta personagem, inicialmente tão dúbio, mas que lentamente se transforma num homem odioso e repugnante.

A banda sonora de O Brutalista é quase mais uma personagem. Inebriante e intensa, adensa, mais ainda, a opressão do filme. Deixa no ar uma intranquilidade latente, fazendo crer que o pesadelo de Lázló está longe de acabar.

Com uma direcção de fotografia fundamental para unir toda a longa-metragem, eis o visual triste, sombrio, onde abundam as cores frias e escuras e onde também o aspecto da película de 35mm, apresentada inteiramente no formato VistaVision - muito comum na época em que se passa O Brutalista -, transportam a plateia para o isolamento da casa de Harrison e da mente de Lázló.

Depois de A Infância de um Líder (2015) e Vox Lux (2018), é O Brutalista que traz o nome de Brady Corbet para as bocas do mundo - e ainda bem. Há muito tempo que merecia o reconhecimento que parece ter chegado agora, 10 anos depois da sua primeira (e tão prometedora) longa-metragem.

2 comentários:

Manuel Reis disse...

(Um comentário num blog. Que conceito!)

Olá, Inês! Grande texto como sempre, mas uma dúvida relevante: como está feito o corte para o intervalo por cá? Sabemos que as distribuidoras/exibidoras costumam não ter grande respeito/noção de como os fazer. Está bem implementado?

Inês Moreira Santos disse...

Olá Manel! Já não sabia o que era uma comentário por aqui há muito tempo. Obrigada por isso!
Ora, o intervalo está perfeito porque foi mesmo feito para o filme. Basicamente, marca uma transição. Faz parte do filme. Podes ir à confiança. :)