terça-feira, 1 de julho de 2025

Crítica: O Ancoradouro do Tempo (2024)

"Só sei que aqui todos somos ruínas, a única pessoa inteira és tu."

Marta


*7/10*

Em O Ancoradouro do Tempo, Sol de Carvalho adapta ao grande ecrã o livro de Mia Couto (que assina o argumento em co-autoria com o realizador), A Varanda do Frangipani.

Uma pequena fortaleza isolada - o filme foi integralmente filmado na Fortaleza de São Sebastião, na Ilha de Moçambique - serve de cenário a esta longa-metragem que vive entre o Passado e o Presente, o drama e o misticismo, e onde as ruínas e a paisagem proporcionam planos impressionantes.

"Izidine, um inspector da polícia moçambicana recém-promovido, é chamado a um lar de idosos situado numa antiga fortaleza colonial para investigar um crime: o director, Vasto Excelêncio, foi morto. Marta, a enfermeira, tenta chamar a atenção para o verdadeiro crime, a própria existência do lar. Ao mesmo tempo, o detective confronta-se com um facto insólito: todos confessam ser os autores do crime."

Com um argumento bem construído e empolgante, potenciado por excelentes opções de montagem, que alternam entre passado e presente, e se distinguem, essencialmente, pela mudança da cor para o preto e branco, nos momentos de flashbacks, O Ancoradouro do Tempo é uma obra desafiadora q.b. Desde logo, a investigação de um crime onde todos se assumem como sendo o assassino, cada um com a sua versão da morte - e correspondente reconstituição - cria um enigma mordaz, quer para o inspector, como para a plateia. E, mesmo que alguns momentos possam ser um pouco previsíveis, o certo é que seguem-se alguns plot twist surpreendentes.

O elenco faz um trabalho muito competente, com destaque para o protagonista, Izidine, interpretado por Horácio Guiamba, que enfrenta os desafios do caso, mas também um reviver de traumas de infância.

Esteticamente, é fundamental destacar o belíssimo trabalho da direcção de fotografia de André Guiomar: o jogo entre luz e sombras, que constrói muito do lado fantasmagórico da acção, especialmente nas cenas nocturnas, muito bem iluminadas, mas também de dia, tirando todo o partido da beleza da ilha.

Entre o suspense, a superstição, os fantasmas do passado colonial e das práticas macabras baseadas em mitos e falsas crenças, ainda presentes na região, Sol de Carvalho regista como o isolamento de uma ilha pode deixar qualquer um louco, ou apenas mais consciente da sua própria realidade.

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