quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Crítica: Sr. Ninguém / Mr. Nobody (2009)


"I've got nothing to say to you. I'm Mr. Nobody, a man who doesn't exist."
Nemo Nobody  - 118 anos
*8.5/10*

São as escolhas que moldam a vida, que a fazem avançar, menos para Nemo Nobody, ao que parece. Jared Leto é o protagonista de Sr. Ninguém, filme de Jaco Van Dormael, de 2009, que chegou finalmente aos cinemas portugueses.

Tudo acontece num futuro não muito distante, onde Nemo é o homem mais velho do mundo e é o último mortal a conviver com as pessoas imortais. Ao longo de cerca de duas horas e meia de filme, Nemo irá relembrar os seus anos reais e imaginários, de infância, adolescência e casamento.

Nos últimos anos, poucos são os filmes com um imaginário tão forte e, ao mesmo tempo, que tocam tão fundo. Sr. Ninguém é, para já, um exemplo de originalidade e, ao mesmo tempo, de coerência no meio de muitos paradoxos. Deixando de parte a componente futurista da longa-metragem, que aqui se encontra muito presente, onde a imortalidade é algo tão comum que o único homem ainda mortal se torna o centro das atenções e as suas palavras são acompanhadas em directo, para satisfação da curiosidade mórbida de um povo, Sr. Ninguém vai muito mais além.

Aqui, o tempo não é constante e a realidade também não. Está-se perante várias dimensões, histórias paralelas e não sabemos qual delas é real. Sonho, ilusão, alucinação, delírio, imaginação... tudo se mistura também na nossa cabeça, tal como na de Nemo Nobody. A infância de Nemo, a relação dos pais, a primeira decisão importante a ser tomada que parece desencadear muitas indecisões, muitas possibilidades; a adolescência, amores e desamores; casamento(s)... vamos conhecer as vidas do protagonista, que as conta a um jovem jornalista, mas teremos as mesmas dúvidas: afinal, como é que tudo isto pode ter acontecido? Onde está a verdade, a realidade?


As coincidências sucedem-se em todas as possibilidades de vida a que assistimos, e as escolhas parecem ter sido sempre impossíveis para este homem de 118 anos. Para quê e por quê escolher? Nemo Nobody faz-nos crer que podemos ter tudo, sem precisar de optar. Contudo, e no meio de muita estranheza, a lógica nunca se perde.

Em Sr. Ninguém há uma grande atenção ao detalhe, que nos aguça os sentidos. São inúmeras as sensações que as imagens despertam em quem assiste. Jaco Van Dormael oferece-nos um filme com uma sensibilidade e delicadeza quase raras. A simples lavagem automática de um carro pode tornar-se claustrofóbica, e ao mesmo tempo artística.

Visualmente, o filme é um prodígio, de uma beleza pouco comum. A câmara liga-nos ainda mais à imagem através de planos, por vezes, hipnotizantes e envolventes. As cenas entre Nemo e Anna são onde mais isso se sente. Os efeitos especiais são igualmente de destacar e o trabalho de montagem é fascinante.


Nas interpretações, Jared Leto volta aqui a provar o seu talento na representação como Nemo Nobody, juntando-se-lhe os nomes de Toby Regbo (Nemo adolescente) e Thomas Byrne (Nemo com nove anos), que nos proporcionam grandes momentos. O casting foi certeiro também na escolha das actrizes que interpretam Anna adulta e adolescente, respectivamente, Diane Kruger e Juno Temple.

"Na vida só temos um take, se estiver mau temos de o aceitar" diz alguém a Nemo Nobody a certo momento. Uma frase que parece servir de lição para o próprio espectador, num filme que não quer conhecer limites para o possível. Até ao fim, faz-nos reflectir, e deixar-nos-á com muitas questões: Afinal, o que é real, o que faz parte do imaginário? Sr. Ninguém tem esse poder, alimenta a nossa mente, pela profundidade argumentativa, beleza visual e pela união perfeita de ambas.

19 comentários:

O Narrador Subjectivo disse...

Não gostei, mas percebo que a ideia de as escolhas que tomamos serem irreversíveis é captivante e, nessa perspectiva, tenho de recomendar o Blind Chance (1981) do Kieslowski, um filme muito mais intenso, focado e humanista. Cumprimentos

Inês Moreira Santos disse...

Obrigada, Narrador. Fica apontado para ver em breve. :)

Percebo que este Mr. Nobody possa não agradar a todos, mas eu fiquei deslumbrada. :)

Cumprimentos cinéfilos.

Sam disse...

É, de facto, uma excelente história sobre o poder das escolhas que fazemos (e não fazemos) na nossa vida.

E, sendo um tema já tão abordado pelo cinema, o tratamento visual de Jaco Van Dormael assegura um predominante sentimento de frescura após a sua visualização.

Totalmente de acordo com a tua classificação e apreciação :*

Cumps cinéfilos :*

Inês Moreira Santos disse...

Obrigada, Sam. :) Quero revê-lo em breve. Tenho a sensação que à segunda visualização será ainda melhor.

Cumprimentos cinéfilos :*

Unknown disse...

Onde eu encontro este filme? Procuro incansavelmente e não o acho de forma alguma!

Inês Moreira Santos disse...

vick punx, o filme em Portugal só estreou nos cinemas em 2012, sei que no Brasil ainda nem sequer estreou. O melhor será fazer uma pesquisa para ver que edições em DVD existem.

Aron disse...

Muito bom o filme, perfeita também sua descrição e reflexão do filme, foi muito inteligente e profunda ao analisar o filme. Amo esse filme, faz com que não somente nos entretemos assistindo ao filme, mas sim faze-nos apreciar cada detalhe do filme, além de nos fazer refletir sobre o quão profundo são as mensagens que ele passa, como sobre pensarmos até onde nossas decisões na vida podem alterar o rumo de nossas vidas. Gostei muito mesmo da sua analise, ganhou um novo fã brasileiro do blog. Parabéns.

Inês Moreira Santos disse...

Muito obrigada, Aron. Sou grande fã do filme e adorei escrever este texto.

Obrigada pelo comentário e bem-vindo ao meu blog.

Cumprimentos cinéfilos.

Unknown disse...

gente esse filme tem completo no youtube legendado em portugues, é um ´´otimo filme, incrível
http://www.youtube.com/watch?v=P328ds8830E

Inês Moreira Santos disse...

É mesmo um excelente filme. :)
Cumprimentos.

Paulo Rafael disse...

Gostei, apesar das incertezas e de ser assemelhado ao "efeito borboleta". Aqui no Recife, Brasil, não chegou aos cinemas, vi na tv paga.

Abraços

Unknown disse...

O filme trás uma reflexão profunda que vai alem das escolhas. A experiência do existir esta toda centrada na humanidade das pessoas. A trilha e o próprio som do filme compartilham com isso. No cinema as coisas são pensadas, mas muitas questões podem aparecer pela intuição, onde o espectador as descobrem. Outro ponto determinante é a relação humana: os desafios, as franquezas, as descobertas, as surpresas e desafetos. A Imaginação é uma experiência muito profunda e tão verdadeira quanto a realidade, então elas não tem distancias, são próximas e se tocam. Outro ponto interessante é a velhice imbuída de verdades seja ela velada ou oculta. A morte, principalmente para o ocidental é algo distante de compreensão. A presença da morte no filme é tão misteriosa para aqueles que são imortais quanto a imortalidade para aquele que está morrendo, assim novamente a experiência profundamente enraizada no espírito humano movidos por seus mistérios e incertezas. Para o filosofo John Dewy a experiência é conhecimento, e conhecer é viver em sua plenitude. As aproximações, se aproximar de alguém é algo desafiador e não há o controle de suas conseqüências, o tempo pode ser curto ou pode ser longo, mas as experiências se dão e ficam guardadas e muitas vezes retomadas na lembranças ou em uma situação. "Viver é uma jornada, e nós somos heróis" como sempre disse Joseph Campbell (pensador americano)

Prof Maurício Eloy
Historia da arte, história da cultura e linguagem cinematográfica.

Bruno Coriolano disse...

Estou prestes a ver esse filme e voltarei para contar minhas impressões sobre o mesmo. Perceba que são 22:55 aqui no Brasil... Quando eu voltar, veremos quantos anos envelheci!

Rosi Andrade disse...

Inês vi agora teu post e concordo com tua análise. Vários pontos desse filme são tocantes e a mim parece poder analisá-lo por diversos ângulos.Tudo pode ter sido passado no âmbito do pensamento. Quantos de nós vivem vidas imaginárias? E ainda assim, a imaginação coabita com a realidade. Por outro lado nossas escolhas podem nos levar onde queremos estar, mas muitas vezes onde nem imaginamos. Uma das cenas mais tocantes para mim, foi dele sentado na piscina,bem sucedido, pela casa onde morava e a mulher , a oriental, falando sobre os filhos e ele parecia nem saber, quem eram aquelas pessoas. De tudo fica o amor pela Ana, e tudo que foi vivido e a cena final, onde ele realmente mostra que enquanto não fizermos uma escolha, temos possibilidade de outros caminhos.

Unknown disse...

Adorei essa sua resenha de Mr. Nobody. Realmente, o filme é muito sensitivo; tanto nas sensações emotivas como nas visuais e sonoras que nos provocam.
Mesmo já tendo assistido a ele duas vezes, a terceira vez que vi não me surpreendeu menos. Aqui no Brasil creio que não lançou nos cinemas e nem em DVD, o que é uma pena.

Enfim, parabéns pelo blog. Voltarei a visitá-lo mais vezes.

edu tadeu disse...

Caríssima Inês, aqui Edu Tadeu, de Londrina, norte do Paraná, sul do Brasil. Gostei muito do que você disse sobre Mr. Nobody. Esse filme me foi recomendado por outro cineadicto, de quem nem me lembro o nome, numa conversa fortuita numa praça da cidade. Busquei e baixei da internet com altíssima qualidade e, já nos primeiros 10 ou 15 minutos de visualização já entendi que entraria fácil em minha lista de 10 melhores. Pura poesia, tanto visual quanto textual e sonora, uma história absolutamente linda, uma experiência inesquecível. Além de tudo o que você mesma e os comentadores que li aqui escreveram, destaco a - como direi? - profundidade filosófica e mesmo a científica da obra: paradoxos, universos paralelos, a multiplicidade do tempo, o eterno retorno, a expansão e contração do Universo. Obra Prima que alguém disse ser muito parecida com o Efeito Borboleta, mas, como se diz popularmente por aqui, Efeito Borboleta - que não é um mau filme - ainda precisa comer muito feijão para que possa ser comparado. Guardarei seu endereço eletrônico nos meus favoritos e visitarei seu blog tão frequentemente quanto for possível. Obrigado por sua resenha.

Unknown disse...

Já tinha visto o filme e voltei a revê-lo hoje. Gostei da crítica, contudo para ser sincero visitei o teu blog para ver se fazias referência a filmes do gênero... Já vi memento e magnólia não sei se conhecerás algum outro que me possas recomendar. De qualquer forma parabéns pelo blog e obrigado.

Adilson Brolezi disse...

Gostei muito da sua critica! Parabéns! :)

leal maria disse...

2019 e somente agora vi esta preciosidade. Nunca antes, eu procurei críticas após o visionamento de um filme. Neste, tive a absoluta necessidade de saber a impressão que causou a outros. Um conselho: quem estiver familiarizado com as indagações que nos provoca a física quântica e os paradoxos com que nos provoca. E porque é o amor tão importante. Bem sei que há a explicação biológica e tudo, mas mesmo os velhos recordam-no e sentem-no como algo esotérico...
Enfim, reticências é o que tenho. Mas há algo que é eterno e sempre lá esteve. Toda essa energia a criar coisa tão complexa como a intensidade dos sentimentos deve ser para o distrair do seu infinito aborrecimento.