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segunda-feira, 14 de março de 2016

Crítica: Deus Existe e Vive em Bruxelas / Le tout nouveau testament (2015)

*8/10*

Num desafio trágico-cómico, Jaco Van Dormael questiona Deus e tudo o que sabemos sobre Antigo e Novo Testamento, arriscando-se ele mesmo a escrever o Novíssimo Testamento (tradução literal do título original, Le Tout Nouveau Testament). No meio de acontecimentos hilariantes - para alguns até demais -, brinca-se com milagres, com a sagrada família, com a religião como a conhecemos, mas sem ofender ninguém.

Ao mesmo tempo, o realizador consegue a proeza que poucos alcançam, deixa-nos arrebatados ao percebermos como a vida é efémera e foge totalmente ao nosso controlo. Um misto de diversão, mas sob a sombra da melancolia, de uma tristeza vinda da tomada de consciência, da inevitabilidade da morte e, mais ainda, da possibilidade terrível que o filme nos apresenta.

O título já nos põe a par de parte da história. Deus existe, vive em Bruxelas, é um estupor e maltrata a mulher e a filha. Sabemos muito do seu filho, mas pouco se sabe da filha Ea de 10 anos. Um dia, Ea revolta-se contra o pai, entra-lhe no computador e transmite a toda a gente do mundo a sua hora de morte por sms.


Afinal, Deus não é bem como nos contam. Os filhos(?) são rebeldes e a mulher é submissa. Ora que versão machista deste mundo nos saiu na rifa, e só mesmo a filha poderá quebrar o jugo deste ditador, num universo controlado pela tecnologia divina.

À primeira vista, o novo filme de Jaco Van Dormael pode parecer apenas mais uma paródia à religião. Felizmente que, desde o primeiro minuto, esta nova versão bíblica conquista o seu público pela originalidade e um humor certeiro. Apesar da improbabilidade dos acontecimentos, a construção do argumento é tão sólida e requintada que faz pensar muito além do enredo um tanto mirabolante.

É aqui que está o toque de génio de Deus Existe e Vive em Bruxelas: há uma magia muito especial a pairar sobre o filme. A protagonista, Ea, leva-nos numa viagem surreal entre metáforas doces, situações misteriosas e milagres inesperados. Por outro lado, a ideia da morte paira durante todo o filme, lembrando como nada é tão cor-de-rosa e a crueza da vida está sempre a perseguir as personagens. Os novos apóstolos, os de Ea, que se juntam aos do seu irmão Jesus, ensinam-nos a importância de aproveitar a vida ao máximo, sem resignação, constrangimentos ou preconceitos. 

A montagem ritmada é o principal motor da narrativa, aumenta a energia e a visão positiva do mundo de Ea, bem como intensifica emoções com o aproximar do trágico destino de cada um. A fantasia, os sonhos e as obsessões multiplicam-se e Deus lá terá de descer pela primeira vez à Terra, para tentar controlar a filha revoltada.


Apesar de, após a metade, a longa-metragem perder algum do seu brilho, Jaco Van Dormael não consegue deixar de surpreender, até ao fim, com o fabuloso argumento (que assina em conjunto com Thomas Gunzig) que faz esta espécie de alegoria ao poder desmedido e ao medo da morte.

No elenco, a pequena Ea, interpretada por Pili Groyne é decidida e convincente, transparecendo a sua confiança à plateia. De personalidade forte, Ea só pode mesmo ser filha de DeusBenoît Poelvoorde é este desprezível criador, violento, antipático, de maus modos e vícios, bem diferente da "imagem" que se tem de Deus. O actor incorpora a personagem de forma descontraída e hilariante. De destacar é a participação de Catherine Deneuve na pele da "apóstola" Martine.

Jaco Van Dormael não passa despercebido e desafia-nos a pensar na morte, mas com um sorriso nos lábios. 

domingo, 13 de março de 2016

Sugestão da Semana #211

Das estreias da passada Quinta-feira, a Sugestão da Semana destaca Deus Existe e Vive em Bruxelas, um filme muito original e hilariante de Jaco Van Dormael.

DEUS EXISTE E VIVE EM BRUXELAS


Ficha Técnica:
Título Original: Le tout nouveau testament
Realizador: Jaco Van Dormael
Actores: Pili Groyne, Benoît Poelvoorde, Yolande Moreau, Catherine Deneuve, François Damiens, Serge Larivière, Didier De Neck, Laura Verlinden, Romain Gelin, Marco Lorenzini
Género: Comédia, Fantasia
Classificação: M/14
Duração: 113 minutos

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Crítica: Sr. Ninguém / Mr. Nobody (2009)


"I've got nothing to say to you. I'm Mr. Nobody, a man who doesn't exist."
Nemo Nobody  - 118 anos
*8.5/10*

São as escolhas que moldam a vida, que a fazem avançar, menos para Nemo Nobody, ao que parece. Jared Leto é o protagonista de Sr. Ninguém, filme de Jaco Van Dormael, de 2009, que chegou finalmente aos cinemas portugueses.

Tudo acontece num futuro não muito distante, onde Nemo é o homem mais velho do mundo e é o último mortal a conviver com as pessoas imortais. Ao longo de cerca de duas horas e meia de filme, Nemo irá relembrar os seus anos reais e imaginários, de infância, adolescência e casamento.

Nos últimos anos, poucos são os filmes com um imaginário tão forte e, ao mesmo tempo, que tocam tão fundo. Sr. Ninguém é, para já, um exemplo de originalidade e, ao mesmo tempo, de coerência no meio de muitos paradoxos. Deixando de parte a componente futurista da longa-metragem, que aqui se encontra muito presente, onde a imortalidade é algo tão comum que o único homem ainda mortal se torna o centro das atenções e as suas palavras são acompanhadas em directo, para satisfação da curiosidade mórbida de um povo, Sr. Ninguém vai muito mais além.

Aqui, o tempo não é constante e a realidade também não. Está-se perante várias dimensões, histórias paralelas e não sabemos qual delas é real. Sonho, ilusão, alucinação, delírio, imaginação... tudo se mistura também na nossa cabeça, tal como na de Nemo Nobody. A infância de Nemo, a relação dos pais, a primeira decisão importante a ser tomada que parece desencadear muitas indecisões, muitas possibilidades; a adolescência, amores e desamores; casamento(s)... vamos conhecer as vidas do protagonista, que as conta a um jovem jornalista, mas teremos as mesmas dúvidas: afinal, como é que tudo isto pode ter acontecido? Onde está a verdade, a realidade?


As coincidências sucedem-se em todas as possibilidades de vida a que assistimos, e as escolhas parecem ter sido sempre impossíveis para este homem de 118 anos. Para quê e por quê escolher? Nemo Nobody faz-nos crer que podemos ter tudo, sem precisar de optar. Contudo, e no meio de muita estranheza, a lógica nunca se perde.

Em Sr. Ninguém há uma grande atenção ao detalhe, que nos aguça os sentidos. São inúmeras as sensações que as imagens despertam em quem assiste. Jaco Van Dormael oferece-nos um filme com uma sensibilidade e delicadeza quase raras. A simples lavagem automática de um carro pode tornar-se claustrofóbica, e ao mesmo tempo artística.

Visualmente, o filme é um prodígio, de uma beleza pouco comum. A câmara liga-nos ainda mais à imagem através de planos, por vezes, hipnotizantes e envolventes. As cenas entre Nemo e Anna são onde mais isso se sente. Os efeitos especiais são igualmente de destacar e o trabalho de montagem é fascinante.


Nas interpretações, Jared Leto volta aqui a provar o seu talento na representação como Nemo Nobody, juntando-se-lhe os nomes de Toby Regbo (Nemo adolescente) e Thomas Byrne (Nemo com nove anos), que nos proporcionam grandes momentos. O casting foi certeiro também na escolha das actrizes que interpretam Anna adulta e adolescente, respectivamente, Diane Kruger e Juno Temple.

"Na vida só temos um take, se estiver mau temos de o aceitar" diz alguém a Nemo Nobody a certo momento. Uma frase que parece servir de lição para o próprio espectador, num filme que não quer conhecer limites para o possível. Até ao fim, faz-nos reflectir, e deixar-nos-á com muitas questões: Afinal, o que é real, o que faz parte do imaginário? Sr. Ninguém tem esse poder, alimenta a nossa mente, pela profundidade argumentativa, beleza visual e pela união perfeita de ambas.