quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Crítica: Amor / Amour (2012)

*9/10*

Tocante, perturbador, mas repleto de Amor, é assim a mais recente longa-metragem de Michael Haneke, que lhe valeu mais uma Palma de Ouro em Cannes. Aqui a máxima do “até que a morte vos separe” é cumprida, e já o sabemos desde os primeiros minutos. Compreendemos, desde logo, que Amor não é para ser visto de ânimo leve e irá mexer com o que há de mais intrínseco em cada um de nós.


Depois das crianças de O Laço Branco, é agora um casal de idosos que protagoniza mais um duro filme do realizador austríaco. Quem conhece Haneke sabe que ele não descansa enquanto não deixa o seu público inquieto. Amor vem, uma vez mais, provar isso mesmo, ao contar a história de Georges e Anne, dois octogenários, cultos, professores de música reformados. A filha, igualmente música, vive no estrangeiro com a família, e passa pouco tempo junto dos pais. Certo dia, Anne é vítima de um acidente e o amor que une este casal será posto à prova.

Michael Haneke vai directo ao assunto desde o primeiro minuto. Sabe-se que o final não é feliz, e é no fim que Amor começa. Mas mais importante do que o fim, é conhecer a relação, e é para isso que recuamos no tempo, para um concerto de música clássica onde os professores reformados estão. O dia a dia de Anne e Georges é-nos apresentado, até ao momento em que a doença de Anne se manifesta. A partir daí, as mudanças na vida e relação de ambos são o centro de tudo. O Amor que é posto à prova e que dá nome a este filme. Por sua vez, o final é um regresso ao início, brilhante e inquietante.

Um argumento que parece tão simples, revela-se muito mais complexo e exigente a cada cena, a cada plano, a cada expressão dos actores. São tantos os sentimentos que estão em jogo em Amor, e não só os das personagens, os nossos também. Qualquer pessoa se irá rever, de uma forma ou de outra, na história que é contada no grande ecrã. É a realidade ficcionada que ali está, e essa consegue ser muito perturbadora.

Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, ali está Georges, “até que a morte os separe”. As mudanças para as quais nunca estaremos preparados acontecem, e o casal protagonista também tem de aprender a lidar com elas. O estado de Anne, que se agrava ao longo do filme, demonstra bem como há lutas dolorosas e infrutíferas. Georges, por seu lado, demonstra uma força excepcional. É ele o símbolo máximo deste Amor, um amor maior do que a própria morte.

Há um vazio crescente e profundo que se sente e estende da casa, espaço onde se passa praticamente toda a acção, a Georges e, claro, a Anne, e que é intensificado pelos planos longos e estáticos de Haneke, tão necessários, que acompanham, lentamente, os nossos pensamentos e recordações ao assistir a Amor. Num filme onde a música que os personagens transpiram constrói todo o ambiente, a música clássica, claro, está presente até nos silêncios.


No elenco dois grandes nomes: Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant, com interpretações fabulosas. Riva merece todo o reconhecimento possível pela forma como encarnou Anne, de corpo e alma. Como, sem articular uma palavra, consegue transmitir tantas emoções e sentimentos. Sente-se, em cada cena onde surge, o desgaste físico e emocional que terá sido para a actriz vestir a pele desta personagem. Por seu lado, Trintignant é o motor que faz avançar a acção. O outro lado do sofrimento que ambos vivem, mas também a personificação do amor que sentem. Georges é outra personagem difícil e desgastante e Trintignant oferece-nos uma interpretação magistral.

Isabelle Huppert, com uma presença mais curta no filme é, antes de mais o fruto do amor dos protagonistas, Eva, a filha ausente mas que ama e se preocupa com os pais. A actriz francesa tem, como sempre, um bom desempenho. De destacar ainda, apesar dos poucos segundos em que surge no ecrã (apenas duas cenas), é uma presença portuguesa, Rita Blanco, que tem um pequeno papel como porteira.

Michael Haneke sabe como chegar ao nosso âmago. Amor é um retrato de uma vida a dois, de um amor capaz de salvar, que nos põe cara a cara com a dura realidade que fazemos por esquecer.

1 comentário:

Unknown disse...

Amour é, sem dúvida, uma grande história. Partilho da sua opinião em vários pontos e aproveito para deixar aqui a minha crítica: http://mundodecinema.com/amour/ :)